V13: O julgamento dos atentados de Paris
Ao narrar o julgamento dos atentados terroristas de Paris de 2015, Carrère nos oferece uma experiência imersiva: as audiências, os encontros nos intervalos, a trajetória de vítimas e réus, numa coreografia judicial de tirar o fôlego. Este é um livro sobre o bem, o mal e suas imprecisas fronteiras; uma jornada filosófica pela complexidade humana.
Em 2015, extremistas do Estado Islâmico realizaram uma série de atos terroristas quase simultâneos em vários locais de Paris: a casa de shows Bataclan, os arredores do Stade de France e as esplanadas da região leste. Mais de 130 pessoas morreram, outras centenas ficaram feridas. V13 écomo magistrados, advogados e jornalistas passaram a chamar essa inesquecível sexta-feira ( vendredi ) 13 de novembro.
Sete anos depois, a França e o mundo reviveram essa dor com o início dos julgamentos. Durante meses, quase todos os dias, Emmanuel Carrère sentou-se em uma sala de audiência sem janelas para testemunhar o que aconteceria com os responsáveis pelos atentados. Este livro é um relato contundente e verdadeiro de tudo que Carrère viu e ouviu, com um virtuosismo nunca ostensivo, tomando o cuidado de registrar as variadas facetas desta tragédia coletiva e a batalha legal que a sucedeu.
“Um relato íntimo, composto de encontros e retratos sinceros, que oferece uma visão real da aventura humana que esse julgamento representou para a história.” ?L’Humanité
“A força de Carrère está em sua capacidade de se colocar no lugar do outro. Ele prova que podemos procurar entender sem tentar desculpar.” ?Le Figaro
Editora Alfaguara; 1ª edição (3 setembro 2024)
Idioma Português
Capa comum 224 páginas
ISBN-10 8556522270
ARTIGO
Emmanuel Carrère examina terroristas em busca do mal, mas acha o bem nas vítimas
Em ‘V13’, expoente da literatura francesa acompanha de perto o julgamento dos acusados por 130 mortes em atentado de Paris
Walter Porto
São Paulo
Havia mais de mil pessoas dentro do clube Bataclan na noite de 13 de novembro de 2015, quando terroristas entraram ali com armas Kalashnikov para ceifar o maior número possível de vidas. Levaram 89.
São cenas de horror absoluto —pisoteamentos, execuções a sangue frio, corpos esfacelados por tiros deixando “buracos do tamanho de pratos”—, pintadas com destreza pelo francês Emmanuel Carrère em seu livro mais recente, “V13”. Um banquete para quem procura a maldade. Mas não só.
A certa altura Carrère se detém em Bruno, o atendente de uma empresa de trens que protege com seu corpanzil a mirrada Édith, surpreendida como ele pelos assassinos enquanto via o show da banda Eagles of Death Metal na boate.
Os dois eram completos desconhecidos. Mesmo assim, quando surge uma oportunidade de escapar e ela responde apavorada que “não consegue se mexer”, ele diz que tudo bem. “Vou ficar com você.”
Foram essas as cenas que mais mexeram com o autor —em seguida ele conta de Clarisse, uma mulher que reuniu força sobre-humana para arrombar um teto falso no clube, dando acesso a um esconderijo. Mas em vez de se meter logo por lá, ela fez escadinha com as mãos para que os mais fracos subissem primeiro.
“Estar disposto a morrer para matar, ou estar disposto a morrer para salvar: qual o maior mistério?”, anota o escritor, logo depois de citar a filósofa francesa Simone Weil. “O bem imaginário é aborrecido; o bem real sempre é novo, maravilhoso, inebriante.”
Carrère, um autor propenso a se impor tarefas desafiadoras e transformá-las em literatura visceral, decidiu acompanhar as mais de cem sessões do julgamento de alta repercussão midiática dos responsáveis pelo “V13”.
A expressão apelida a sexta-feira 13 —”vendredi”, em francês— na qual extremistas do Estado Islâmico mataram mais de 130 pessoas em Paris, num ataque coordenado entre o Bataclan, os arredores do Stade de France e as esplanadas onde jovens costumavam sentar para beber.
“Normalmente, as pessoas com interesse em julgamentos de homicídios, entre as quais me incluo, estão mais interessadas nos assassinos que nas vítimas, por quem você só sente pena”, afirma o escritor descabelado de 66 anos, em entrevista por vídeo.
Uma de suas obras mais famosas, “O Adversário”, é sobre o morticínio brutal que Jean-Claude Romand cometeu contra sua própria família, e o autor lembra que tinha muito mais curiosidade pelo protagonista que “pelas pobres pessoas que ele matou”. “Aqui foi o exato contrário.”
“Os rapazes que fizeram parte desse projeto de assassinato, honestamente, eram bem estúpidos. E as pessoas que foram suas vítimas e os familiares delas me impressionaram muito por suas personalidades e pelo que fizeram dessa experiência. Foi o oposto do que eu esperava.”
Portanto, entre os achados de suas crônicas —o livro é a compilação ampliada de uma série de artigos semanais que Carrère escreveu de 2021 a 2022 para a revista Le Nouvel Observateur—, há personagens fascinantes em seu carisma e resiliência.
Há o médico aposentado Georges, que decidiu se juntar ao pai de um dos jihadistas que mataram sua filha e escrever um livro a quatro mãos chamado “Il Nous Reste les Mots” —algo como “só nos sobram as palavras”; e a jovem Maia, que se divertia numa “noite gostosa” nas ruas parisienses quando viu seu namorado e seus amigos serem abatidos por balas enquanto planejavam uma festa conjunta de aniversário.
Sobretudo, há a egípcia Nadia, uma mulher imersa na cultura árabe cujo depoimento sobre a aflição de descobrir a morte da filha Lamia ganha um número generoso de páginas, eficientes em levar leitores às lágrimas.
“A filha dela podia ser a minha”, diz um escritor consciente de que realiza o melhor de sua literatura quando insere seus próprios sentimentos nas histórias —ainda que, aqui, tenha tomado cuidado para não fazer isso em excesso, o que seria “uma obscenidade” por causa do grau do sofrimento com que lidava.
Em vez disso, ele deixa pessoas como Nadia tomarem a frente. “É tão difícil de entender”, diz ela sobre a morte da filha de 30 anos. “Pensar que as pessoas que a mataram tinham a idade dela. Que eram levados à escola pela mão”, do jeito que ela fazia com Lamia. “Eram criancinhas a quem se dava a mão.”