Três perguntas para Rubem Fonseca

Três perguntas para Rubem Fonseca

por Deonisio da Silva

Talvez eu não seja o mais indicado para fazer uma entrevista com Rubem Fonseca, um dos poucos escritores a conciliar sucesso de crítica e de público, no Brasil raramente combinados.

Já escrevi três livros sobre sua obra – um deles, um perfil do autor –, vários artigos, fiz minha dissertação de mestrado e a tese de doutoramento sobre sua prosa, então quê mais?

Bem, a cada novo livro que ele lança, cá estou eu lendo a novidade, entre encantado e perplexo, semelhando aquele diálogo de O Caso Morel, um de seus romances que mais aprecio. Não é importante a pergunta do cardeal a Ariosto: ‘Então, Luduvico, de onde tira tantas histórias?’. A citação não é literal, literal aqui é outra coisa.

Não vou conferir a citação, cotejar bibliografias e reedições. Hoje leio e releio Rubem Fonseca como quem degusta um copo de vinho de uma das marcas preferidas. Digamos que um texto dele está para mim como um trecho da Bíblia, um parágrafo de Borges, de Adelino Magalhães, de Machado ou de Érico Veríssimo, um poema de Camões ou de Pessoa, um diálogo de Shakespeare, uma evocação de Proust, uma frase de Manzoni ou uma estrofe de Dante, uma visão de Teresa D´Ávila – esses textos que sempre nos dão prazer de ler e reler. Mas tresler, não, que este verbo designa em português o ato de ler apressadamente.

Coisas andam desarrumadas

Saindo do universo dos livros, onde também pode haver um Grande Colisor de Hádrons (Large Hadron Collider – LHC), semelhante ao que cientistas do mundo inteiro construíram agora sob a terra, na fronteira da França com a Suíça, na busca de centelha divina, o bóson, que, nos asseguram, poderá ter sua existência provada, minhas metáforas do bem viver são outras e vão para além da música, minha eterna companheira e quase sempre de prazeres poucos definíveis.

Que tal uma taça de Marquês de Riscal ou umas baforadas de um charuto Partagas ou Hoyo de Monterrey, nesses tempos em que querem nos impor também uma dieta de prazeres, como se todos estivéssemos interessados em ser longevos a qualquer custo, quando o que muitos podem desejar é outra coisa: viver!

Daqui a pouco nos proíbem também o amor da mulher amada, pois pode elevar o colesterol, afetar a camada de ozônio e, sobretudo, produzir mais filhos, quando sabemos que já cumprimos o programa há muito tempo e quem o descumpre são os mais pobres, que nos últimos anos já puseram mais cem milhões de pessoas no Brasil, isto é: dez Portugal, duas Espanhas, duas Alemanhas, duas Itálias, enfim, qualquer desses países que usam como indicadores para dizerem como as coisas andam desarrumadas por aqui.

Costume antigo

Neste caso, para bem entender o que se passa, é preciso reler outro autor: José Hildebrando Dacanal, que trocou a Economia e foi lecionar Literatura Brasileira na UFRGS e, já aposentado, mas sempre irreverente e inquieto, edita um jornal de 5.000 exemplares. Mas isso não está na mídia, não, e só é disponível impresso, o que dificulta enormemente as coisas entre nós.

Mas vamos ao ponto, enfim. Ao contrário do que a mídia apregoa, Rubem Fonseca não é um escritor que se nega a dar entrevistas. Com efeito, é o mais entrevistado de nossos autores, mas não na mídia e, sim, em seus próprios livros. Ultimamente, ele rompeu esse antigo costume e dá entrevistas também em outros lugares. Ou eu deveria dizer sítios, sites, portais?

Aprender a escrever

Eis a entrevista:

Bem, Zé Rubem, como outros te chamam, mas não eu, que primeiro te conheci nos livros, me diga: você, que lê tanta poesia, acha o Charles Simic um bom poeta?

Rubem Fonseca – Nunca considerei o poeta Charles Simic grande coisa, não sei como ele foi indicado como U.S. Poet Laureate em 2007; seus antecessores foram, entre outros, Elizabeth Bishop, Robert Frost, Karl Shapiro, Robert Penn Warren, Joseph Brodsky, Stanley Kunitz, Billy Collins. Destaco, porém, o conselho do poeta àqueles que buscam a felicidade: ‘For starters, learn how to cook’.

Diga mais alguma coisa sobre comida. Você sabe cozinhar?

R.F. – Nada sei fazer na cozinha. Minha mãe achava que aprender a cozinhar não era coisa para homem. Homem não fazia essas coisas, não fazia nada dentro de casa. Lembro-me de que, depois de casado, convidei-a para almoçar em minha casa e, após o almoço, ajudei minha mulher a tirar os pratos da mesa. Minha mãe ficou me olhando e tamborilando na mesa, o que sempre fazia quando ficava nervosa, e depois perguntou-me com um certo desprezo na voz: ‘Então, agora tiras a mesa?’

E o prazer da leitura, como foi que você o descobriu?

R.F. – Como foi que eu descobri o prazer da leitura? Lendo, na minha infância, autores de quinta categoria: Michel Zevaco, Ponson Du Terrail, Rafael Sabatini, H. Ridder Haggard, Emilio Salgari, James Fenimore Cooper, Karl May. Depois, Mark Twain, Júlio Verne e muitos outros, entre os quais se incluíam escritores de livros policiais como Edgard Wallace, Agatha Christie e Edgar Allan Poe. Foram esses autores de livros de aventura e livros policiais, uns realmente bons (Twain, Poe, Verne), porém a maioria medíocre, que me fizeram descobrir o prazer da leitura. (Estranhamente, nunca li Monteiro Lobato, nem qualquer outro autor de literatura dita ‘infantil’). Com o tempo, passei a ler, já então com prazer ainda maior, os clássicos, antigos e modernos, Homero, Virgílio, Dante, Shakespeare (os sonetos), Camões, Cervantes, Proust, Maupassant, Tchekov, Eliot, Henry James, James Joyce e todos os outros. Até hoje, o prazer de ler é um dos meus maiores prazeres. Principalmente, ler poesia.

Ia me esquecendo. Detestava quando o professor me mandava fazer uma análise gramatical ou léxica do texto que eu havia lido. Nunca aprendi gramática e creio que isso não me impediu que aprendesse a escrever bem, lendo. Esta é a melhor maneira de aprender a escrever: lendo, lendo, lendo muito.

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Ia me esquecendo. Agora que já sabem que as perguntas e todo o resto, mas não as respostas, foram inventadas, leiam aqui todas as outras declarações do autor mais entrevistado do Brasil. Explore o cardápio ‘Anteriores’, no pé do texto: está tudo ali.

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Doutor em Letras pela USP e professor da Universidade Estácio de Sá, onde é vice-reitor de Cultura e coordenador de Letras; seus livros mais recentes são o romance Goethe e Barrabás e A Língua Nossa de Cada Dia (ambos da ed. Novo Século); www.deonisio.com.br

( Publicado originalmente em setembro de 2008)

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