O suicídio na literatura

O suicídio na literatura.

Por Luísa Gadelha

(Atenção: contém spoilers de livros)

No antigo império romano, Plínio, o Velho, já dizia que “em todas as misérias de nossa vida terrena, poder abranger nossa própria morte é o melhor presente de Deus ao homem”, louvando o suicídio como uma possível escolha, dentre as poucas que possuímos.

Para o filósofo francês Albert Camus, “só há um problema filosófico verdadeiramente sério: é o suicídio”. Antes de Camus, muitos outros pensadores se debruçaram sobre a problemática, desde Schopenhauer e Nietzsche ao sociólogo Durkheim, para quem o suicídio era um fenômeno puramente social.

Na ficção, o suicídio também está presente desde as tragédias gregas, passando pelas peças de Shakespeare. No final do século XVIII, com a publicação do romance Os sofrimentos do jovem Werther, de Goethe, uma onda de suicídios tomou conta da Alemanha e da Europa como um todo, numa homenagem romântica ao personagem.

O episódio pode ser explicado pelo fato de que o suicídio é contagioso. Segundo Andrew Salomon, em seu livro O demônio do meio-dia – uma anatomia da depressão,

“Suicídio gera o suicídio também em sociedade. O contágio do suicídio é incontestável. Se uma pessoa comete suicídio, um grupo de amigos ou pares com frequência o seguirá. (…) As mesmas localidades são usadas repetidamente, carregando a maldição daqueles que morreram: a ponte Golden Gate, em San Francisco, o monte Mihara, no Japão, trechos especiais de estradas de ferro, o Empire State Building.”

Nos grandes romances realistas do século XIX, o suicídio parece ser uma alternativa para as heroínas adúlteras de Tolstói e Flaubert, Anna Karenina e Emma Bovary (de Madame Bovary) que, desesperadas, recorrem à morte como única saída: a primeira joga-se à frente de um trem; a segunda se envenena.

Independentemente dos motivos, razões ou circunstâncias que levam uma pessoa a tirar a própria vida, seja um fator social ou individual, desespero, depressão, impulsividade ou premeditação, esse fenômeno, por vezes idealizado, também está presente na literatura contemporânea, conforme as obras que listamos a seguir.

Suicídios Exemplares (Enrique Vila-Matas) – Cosac Naify, 2009

Uma coletânea de dez contos sobre personagens suicidas que não levam a cabo suas tentativas – ao menos não como nós, leitores, esperamos. Como diz o escritor espanhol no início do livro, parafraseando Fernando Pessoa, “viajar, perder suicídios; perdê-los todos. Viajar até que se esgotem no livro as nobres opções de morte que existem”. Seus personagens flertam com o suicídio, arquitetam cada passo, mas fracassam em suas tentativas. Tais tentativas podem, inclusive, acabar dando sentido ao absurdo da existência. Destaque para o conto “O colecionador de tempestades”, em que o protagonista, ironicamente, morre de um ataque do coração minutos antes de executar seu próprio suicídio.

Norwegian Wood (Haruki Murakami) – Alfaguara, 2008

A melancolia e a solidão são temas recorrentes na obra do escritor japonês Haruki Murakami. Em Norwegian Wood acompanhamos a trajetória do jovem universitário Toru Watanabe, que carrega no passado o suicídio do seu melhor amigo, Kizuki. Toru reencontra Naoko, antiga namorada de Kizuki, uma alma também atormentada por um inexplicável vazio existencial, que acaba por se internar em um hospital psiquiátrico. O título faz referência à música dos Beatles, que os três amigos adolescentes costumavam ouvir.

A elegância do ouriço (Muriel Barbery) – Companhia das Letras, 2008

Romance filosófico cheio de ironia e bom-humor, A elegância do ouriço tem como protagonistas uma mulher de meia-idade, zeladora de um prédio em Paris, aparentemente sem instrução mas surpreendentemente culta e a moradora de um de seus apartamentos, uma jovem de 12 anos, Paloma. Impetuosa, Paloma decide que irá se matar no seu aniversário de 13 anos, pois não vê sentido na vida senão como uma sucessão de fracassos e pousa um olhar cínico sobre toda a hipocrisia de sua família, rica e tradicional.

O céu dos suicidas (Ricardo Lísias) – Alfaguara, 2012

O protagonista/autor desta auto-ficção, do escritor brasileiro Ricardo Lísias, é pego de surpresa pelo suicídio do melhor amigo, e inicia uma viagem, tanto física quanto mental, pelo passado, atormentado pela culpa de não ter podido salvar o amigo e buscando brechas no passado que poderiam tê-lo mudado. “Retomando o estilo nervoso de seus livros anteriores, desta vez a ansiedade vem ao primeiro plano, e o que vemos é uma pessoa completamente ferida a buscar uma resposta, mas a procurar também uma redenção impossível. É um sujeito que expia sua culpa dividindo-a com o leitor”, diz Pedro Meira Monteiro, professor da Universidade de Princenton, na orelha do livro.

Uma longa queda (Nick Hornby) – Rocco, 2006

O britânico Nick Hornby é conhecido por seu romance Alta fidelidade, adaptado aos cinemas com John Cusack no papel de um dono de uma loja de discos fissurado em elaborar listas. O enredo de Uma longa queda é construído em torno de quatro pessoas que se encontram por acaso no terraço de um prédio de Londres, na noite de réveillon, com a intenção de se suicidar. O livro é narrado pelos quatro suicidas que descrevem suas experiências e anseios e, juntos, buscam um sentido para viver.

Agosto (Rubem Fonseca) – Companhia das Letras, 1990

Rubem Fonseca já é consagrado e conhecido por seus romances e contos rápidos, diretos, como filmes de suspense. Em Agosto, o autor mistura realidade e ficção, numa trama policial e política que envolve assassinatos e o suicídio do presidente Getúlio Vargas, em agosto de 1954.

Os bons suicidas (Toni Hill) – Tordesilhas, 2014

Segundo volume do Inspetor Héctor Salgado, que se iniciou com o romance O verão das bonecas mortas, do escritor espanhol Toni Hill, em Os bons suicidas o inspetor Héctor Salgado é chamado para investigar um aparente suicídio: uma funcionária de uma fábrica de cosméticos havia se jogado nos trilhos do metrô. Ao investigar a fundo o ocorrido, o inspetor se depara com uma complexa rede de mentiras formada pelos funcionários da referida empresa.

Nove noites (Bernardo Carvalho) – Companhia de bolso, 2006

O romance do brasileiro Bernardo de Carvalho também mistura história e ficção: no final da década de 30, o antropólogo norteamericano Buell Quain se matou de maneira brutal em uma aldeia indígena no coração do Brasil. Sessenta anos depois, o narrador lê por acaso uma notícia de jornal contando a história de Quain e torna-se obcecado em investigar a vida do antropólogo e as razões que o levaram ao suicídio.

( Fonte : www.diariodocentrodomundo.com.br )

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