Nada será como antes
Por Vladimir Araújo
Tempos estranhos esses. De repente, mas até que não tão de repente assim, as redes sociais viraram ágoras onde o vale-tudo-sem-discernimento é o prato do dia. Acredito, infelizmente, que a eleição do Sr. Jair Bolsonaro nas próximas semanas seja um fato. Vai acontecer e essa é a parte lamentável da história, menos por ideologia e mais por raiva , sensata ou insensata, que tomou conta de eleitores instruídos ou não instruídos, diplomados ou analfabetos e das mais variadas classes sociais. Chegamos a um ponto onde não adianta discutir. Tornou-se indiferente qualquer tipo de alerta. Boa parte da população que irá eleger o Sr. Bolsonaro dorme, acorda, toma café da manhã e vai dormir alimentando um ódio figadal contra um partido político. Em uma onda avassaladora, passou a ser mais importante bater no famigerado PT dia e noite que olhar para um futuro mais devastador que virá com a eleição do ora candidato do já fortíssimo PSL. Sim, são inegáveis todos os erros cometidos pelo Partido dos Trabalhadores (ainda que seus mais ferrenhos seguidores não admitam) e não vai aqui nenhuma pretensão em defendê-lo, até porque, a história é feita por fatos. Mas, repita-se, o que há de mais importante agora? Continuar diuturnamente a bater no desgraçado PT ou perceber que uma ameaça maior se aproxima?
Chega a ser insano. Vejo pessoas que apesar de toda a bagagem intelectual que as acompanha não conseguem fazer nos textos que escrevem ou nas frases que pronunciam ou copiam sem pensar uma análise que sequer beire a imparcialidade, a cautela. Feito disco arranhado, preferem enumerar dia após dia todos os mal feitos de Lula e seus asseclas e se esquecem , parafraseando Shakespeare em Macbeth, que “ algo de muito mais sinistro vem por ai”. Atentem: as instituições brasileiras ainda estão funcionando. O líder máximo do odiado Partido dos Trabalhadores está preso. Parte dos que estavam com ele estão respondendo a processos, ou seja e repito, as instituições estão funcionando. Não seria então mais aconselhável tentar perceber que o Sr. Bolsonaro representa um poço mais profundo? Não seria melhor nessa hora grave parar de olhar para o próprio umbigo, deixar de bancar o “revoltadinho –traumatizado-que-não consegue-esquecer-os-erros-do-governo-passado” e pensar numa perspectiva mais ampla de futuro? Parar e pensar no quanto vai ser pior com o Sr. Bolsonaro por toda a bagagem ruim que está entranhada nele? A questão que agora se coloca à frente é mais delicada, senhores , mas ainda há tempo. É de certa forma compreensível a aversão dos que passaram a ver no tantas vezes destrambelhado Partido dos Trabalhadores a raiz e a razão para todos os males da humanidade. Porém, proponho um exercício de futurologia: daqui a seis ou oito meses, vocês, que por ira e fúria terão elegido o senhor Bolsonaro estarão regozijando-se em frente a televisão, felizes por terem dado a surra merecida no PT. Sentir-se-ão vigados, afinal, “ toda aquela corja vermelha foi apeada do poder”. Ao assistirem ao pranto das “viúvas” do maquiavélico Luis Inácio compreenderão enfim, o prazer sádico sentido por Fortunato ao final do famoso conto de Machado de Assis. Mas, … e ai? Entregou-se o leme da trôpega nau onde todos nós estamos a um timoneiro que para dizer o mínimo é a personificação do despreparo demente, da retórica torpe, do comportamento vil. Vejam, Bolsonaro não se preocupa em esconder quem é. Ninguém poderá dizer que foi enganado. Daí, pergunta-se: terá valido a pena? Em uma de suas obras o filósofo e teólogo dinamarquês Søren Kierkegaard dizia que “ Há duas maneiras de ser enganado. Uma é acreditar no que não é verdade.; a outra é recusar a acreditar no que é verdade.” Pois bem, a verdade está posta. Pela boca de um candidato a presidente , ouvimos loas a torturadores, apologia à violência ou simplesmente, e mais preocupante ainda, escutamos seu silêncio mais infame, mais desrespeitoso. Mas, e então? Para onde você vai?
O país está diante de duas opções ruins. A primeira poderá, caso seja eleita e venha a cometer erros, ter que novamente prestar contas perante as instituições democráticas que hoje ainda permanecem fortes. A segunda, representa uma ameaça as mesmas instituições democráticas, discursa contra direitos humanos, é assumidamente autoritária e não tem nenhum preparo técnico. Qual você prefere? Você poderá dizer, “mas ele não governará sozinho. Tudo terá que passar pelo parlamento”. Não sejamos ingênuos. Os ratos sempre sabem onde fica a comida. Sendo mais claro: o senhor Bolsonaro terá maioria no Congresso. Poderá com suas bancadas criar leis. Poderá com seus comandados emendar a Constituição e, a partir dai, meu caro, as portas do inferno estarão abertas. Mais uma vez: terá valido a pena?
(Vladimir Araújo é advogado, professor e editor do site Letras e Livros)