“Na nossa história seremos felizes para sempre”.
Por Fabio Hernandez
“Posso te fazer um pedido?”, disse Cris a Pedro. Ela acabara de ler As Travessuras da Menina Má, de Vargas Llosa. Lera com vagar, como sempre. E, também como sempre, com atenção máxima aos detalhes. Pedro, ao contrário, lia rápido. E perdia detalhes. Leitor compulsivo.
“Hmm”, disse Pedro.
“Escreve a nossa história. O nosso romance. Como no caso da Menina Má. Lembra? No fim ele diz que ela deu a ele a história.”
“Mas”, disse Pedro.
“Por que você gosta tanto da palavra mas?”, cortou Cris. “É uma coisa tão ruim. Depois do mas nunca vem nada bom.”
Pedro jamais pensara nisso. Fazia sentido o que Cris dissera? Não sabia. Refletiria depois. Seguiu adiante.
“Mas eu não sou nenhum Vargas Llosa”, disse. “Como eu poderia me classificar? Sei lá. Um escritor barato, como o Fabio.”
“Detesto o Fabio”, disse Cris. “Queria que ele morresse. Juro.”
“Mas”, disse Pedro. “Mesmo que eu fosse capaz de escrever como o Llosa. Como seria a nossa história?”
“Você é o contador de histórias”, disse Cris. “Você diz como seria.”
“Filhos. Outro dia vi você num vestido leve e te imaginei grávida. Sei lá. Teríamos um filho.”
“Menino? Menina? Nome.”
“Menina. Antonella. Anda como um pinguinzinho. Dança como a mãe. Bonita como a mãe. Mas não é geniosa e impaciente como a mãe.”
“Nunca engravidei. Será que consigo engravidar?”, Cris disse.
“Na nossa história, sem dúvida”, Pedro disse.
“Vou ficar muito gorda? Disforme? Você vai perder o desejo por mim? Tenho medo pânico disso.”
“Você vai ficar maravilhosa. Como todas as grávidas. Nada embeleza tanto uma mulher como a gravidez. Vocês, mulheres, discordam. Mas é um fato da vida. Na gravidez a mulher vira fêmea no melhor sentido que a palavra tem.”
“Tenho outro medo”, disse Cris. “Vi isso acontecer com muita gente. O casal tem filho. O homem vira pai. A mulher vira mãe. O casal some. Quero muito ser mãe. Mas, se o preço da maternidade é deixar de ser mulher, não pago.”
“Na nossa história você nunca deixa de ser mulher”, disse Pedro. “Mesmo que tivesse não um mas três filhos. Três não. Li outro dia numa revista que alguém na Inglaterra disse que no mundo de hoje é irresponsabilidade ter mais que dois filhos. Do ponto de vista ecológico. Meio ambiente. O cara dizia que era uma agressão à terra.”
“E você …”
“Se acreditei?”, disse Pedro. “Nem sim e nem não. Só não esqueci.”
“Pedro.”
“Hmmm.”
“Vamos viver muitos anos juntos na história que você vai escrever?”
“Interrogação. Meu pai. Ele não viveu tanto assim. Se eu repetir a trajetória do meu pai, a resposta é não.”
“Você não vai repetir. Você não vai ousar me deixar sozinha. Jura que não.”
“Gostaria de jurar. Mas.”
“Mas. Sempre mas. Até quando você vai usar mas nessa quantidade absurda?”
“Um grande escritor inglês disse que escrevia não como queria, mas como podia. Falo como posso.”
“Pedro. Na nossa história. O final vai ser feliz?”
“Finais infelizes são a marca maior dos grandes escritores. Não há um único romance entre os maiores que tenha final feliz.”
“Isso quer dizer que …”, disse Cris.
“Sim. Isso quer dizer que na nossa história seremos felizes para sempre.”
( Fonte: www.diariodocentrodomundo.com.br)