Crime sem castigo: Como os militares mataram Rubens Paiva

Crime sem castigo: Como os militares mataram Rubens Paiva

A inédita abertura de um processo por homicídio e ocultação de cadáver do ex-deputado federal Rubens Paiva, em 26 maio de 2014, trilhou um novo caminho no Judiciário brasileiro para a impunidade contra os crimes cometidos por militares durante a ditadura iniciada em 1964. Foi a primeira vez que um juiz instaurou uma ação para punir criminalmente um assassinato cometido naquele período. No Brasil, depois da Lei de Anistia de 1979, uma interpretação bastante estrita dessa legislação impediu durante décadas que investigações sobre casos de mortos e desaparecidos fossem feitas pelas autoridades constituídas após a Constituição de 1988. Como bem mostrou o filme Ainda estou aqui, o engenheiro e ex-deputado federal Rubens Paiva foi levado de sua casa no Rio de Janeiro por um grupo de militares sob os olhos apreensivos de sua família em 20 de janeiro de 1971. Nunca mais voltou. Descobrir o que ocorreu com ele depois disso tornou-se uma missão para sua família. Em especial, para sua mulher, Eunice Paiva. Neste livro estão esmiuçadas milhares de páginas sobre as investigações feitas desde 1971 sobre o desaparecimento do ex-deputado. Também está relatado como a ditadura monitorou de perto cada passo dos interessados em desvendar o caso para garantir que não se chegasse à verdade. Apenas em 2014, o grupo de Justiça de Transição do Ministério Público Federal no Rio de Janeiro conseguiu concluir o caso apontando cinco militares pelo assassinato de Rubens Paiva.

Sobre o Autor

Juliana Dal Piva é jornalista formada pela UFSC, com mestrado no Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC) da FGV-Rio. Atualmente é repórter do Centro Latino-Americano de Investigação Jornalística (CLIP) e colunista do ICL Notícias. Foi repórter especial do jornal O Globo e colunista do portal UOL. Venceu diversos prêmios de jornalismo. Entre eles, o prêmio Relatoría para la Libertad de Expresión (RELE), da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA, em 2019. Apresentadora do podcast A vida secreta do Jair e autora do livro O negócio do Jair: a história proibida do clã Bolsonaro, best-seller em 2022 e finalista do prêmio Jabuti de 2023.

Detalhes do produto

Editora Matrix; 1ª edição (10 fevereiro 2025)

Idioma Português

Capa comum 208 páginas

ISBN-10 6556165379

 

TRECHO

Capítulo 8 do livro ‘Crime sem castigo: Como os militares mataram Rubens Paiva’

 

Faltava pouco para as onze horas da manhã quando a psicóloga Vera Paiva entrou na pequena sala de audiências da 4ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro. Era a manhã da sexta-feira, 27 de novembro de 2015. Acompanhada do marido e da advogada criminalista Carmen da Costa Barros, Vera aguardava ansiosa pelo início dos depoimentos do processo movido pelo assassinato de seu pai, o deputado federal Rubens Paiva. Pouco depois chegou o procurador da República, Sérgio Suiama.

Os três entraram e tomaram seus lugares. A advogada da família Paiva dirigiu-se à mesa, que ficava no meio da sala e de frente para a plateia. Ela então se sentou em uma cadeira do lado esquerdo. O lado direito foi destinado aos representantes dos réus. No centro, em meio aos dois, estava a poltrona destinada ao juiz, posicionada em uma altura superior aos advogados. Do lado esquerdo do magistrado ficava o escrivão e, à direita, a cadeira do representante do MPF. Vera Paiva, com celular em mãos, aguardou a audiência sentada na plateia. Optou por um assento no canto esquerdo da segunda fileira de cadeiras reservadas ao público, de frente para a mesa central. Ao todo, eram cinco filas e a primeira estava destinada aos réus.

Do lado de fora, no corredor de acesso à sala, os advogados dos militares preocupavam-se com o assédio da imprensa sobre seus clientes. Exigiram da juíza Margareth de Cássia Thomaz Rostey que não fosse permitida a gravação de imagens ou a tomada de fotografias. A magistrada concordou, mas permitiu que a imprensa assistisse à audiência. Para “contornar” a exposição pública dos réus, também foi autorizado aos militares entrar no prédio da Justiça Federal de carro. Ao restante dos cidadãos, foi exigido o trâmite regular: identificar-se na portaria, para realização de um cadastro com foto.

A Justiça Federal dispunha nesse dia de apenas dois funcionários para o serviço que leva de cinco a dez minutos. Somente depois disso fui autorizada a entrar no edifício. O mesmo ocorreu com os demais. Enquanto os depoimentos não se iniciavam, os militares também aguardaram em uma sala privativa, de onde foram chamados após a juíza dar início à audiência.

O tratamento singular dispensado aos militares foi apenas mais um quesito do sinuoso processo. A própria realização da audiência configurou-se em uma conquista com requintes heroicos do MPF. Após a vitória no Tribunal Regional Federal da 2a Região, o ministro do Supremo Tribunal Federal Teori Zavascki decidiu parar o processo em caráter liminar no fim de setembro de 2014.

Naquela época, a ausência de resolução sobre a continuidade da ação penal fez com que o MPF pedisse ao STF autorização para ouvir em juízo as testemunhas do processo, uma vez que a maioria delas possuía idade avançada ou doenças crônicas. Inês Etienne Romeu morreu em abril de 2015, sem poder testemunhar no processo. Em nova batalha judicial, os procuradores obtiveram autorização para realizar as oitivas em juízo e foram intimadas doze testemunhas de acusação, entre as quais o coronel reformado Armando Avólio Filho e os ex-presos políticos Edson Medeiros e Marilene Corona Franco – as três testemunhas oculares do crime. A audiência foi inicialmente marcada para os dias 25 e 26 de novembro. No entanto, na véspera, o ministro Teori Zavascki concedeu nova liminar aos réus para limitar a sessão à oitiva de uma única testemunha, que se encontrava adoentada: Marilene Corona Franco.

Assim, após dois dias de embates sobre quem poderia prestar depoimento, iniciaram-se os trabalhos no dia 27. A juíza pediu que o escrivão abrisse a ata da audiência e mandou os advogados de defesa chamarem os réus, obrigados legalmente a comparecer. Em menos de um minuto, entraram enfileirados o general José Antonio Nogueira Belham e os capitães Jacy e Jurandyr Ochsendorf e Souza. Os outros dois réus, os coronéis Rubens Paim Sampaio e Raymundo Ronaldo Campos, não compareceram e justificaram a ausência por problemas de saúde. Os três oficiais entraram e se dirigiram aos bancos reservados aos réus. Essa foi a primeira vez, desde o fim da ditadura, que militares se sentaram como réus em uma vara criminal para responder por um processo de homicídio cometido durante a ditadura militar. Não durou muito.

Na sala, além de Vera Paiva, já aguardavam alguns jornalistas e integrantes do Tortura Nunca Mais. Um grupo de menos de 20 pessoas. A única ausência era Marilene Corona Franco, que também aguardava em uma sala reservada. Para depor, a ex-presa política exigiu que os réus deixassem a audiência. Marilene não queria rever seus algozes. Eram inúmeros os traumas da tortura a que foi submetida dentro do DOI-CODI em 1971. Anos depois, em 1986, ainda fora obrigada a comparecer ao Palácio Duque de Caxias para prestar esclarecimentos no IPM sobre o desaparecimento de Rubens Paiva. À época, o general Adriano Pinheiro da Silva não permitiu que ela estivesse acompanhada de um advogado. A juíza assentiu imediatamente e os réus deixaram a sala com a condição de aguardar a conclusão da oitiva sem deixar o prédio.

Assim, na primeira vez perante a Justiça Comum desde sua prisão, a ex-presa política denunciou a violência sofrida por ela, Cecília Viveiros de Castro e Rubens Paiva. Sentada ao lado da advogada da família Paiva, Marilene discorreu os detalhes de cada momento vivido desde que retornou do Chile, em janeiro de 1971, quando foi detida por agentes da repressão. Demonstrando nervosismo, ela falava sem desviar os olhos da juíza ou do procurador. Não omitiu as minúcias mais constrangedoras sobre o interrogatório com choques elétricos em seus seios ou os gritos que ouviu do homem que não conhecia, mas depois ficou sabendo que era Rubens Paiva.

Marilene só direcionou o olhar para o advogado dos militares, Rodrigo Roca, quando chegou a vez da defesa fazer perguntas. E como se ignorasse o perigo aos opositores da ditadura em 1971, o defensor dos militares questionou: “Por qual razão a senhora trouxe então as cartas fixadas na sua cintura em vez de trazer na bagagem normalmente?” Marilene respirou fundo: “Eu vou explicar ao senhor”. E, falando apressadamente, contou que, desde que a irmã e o cunhado foram se exilar no Chile, a correspondência que os dois mandavam à família era violada e os telefones de sua casa no Brasil estavam grampeados.

Roca não se estendeu mais. O depoimento durou uma hora e doze minutos. Os réus foram chamados pela juíza para retornar à sala de audiências para a assinatura da ata. Em um clima mais relaxado, os três entraram conversando e demonstrando intimidade, com direito a tapinhas nas costas um do outro. Após a assinatura, a juíza Margareth de Cássia Thomaz Rostey declarou a sessão encerrada.

O ministro Teori Zavascki morreu em janeiro de 2017 sem pautar o julgamento de mérito do caso. Depois disso, o recurso ficou parado por muito tempo no gabinete do ministro Dias Toffoli e agora está sob a relatoria do ministro Alexandre de Moraes, justo quem ocupou a vaga de Zavascki. A demora em processar os acusados deixa consequências e impunidade. Dos cinco militares denunciados pelo MPF em 2014, três morreram. Ainda estão vivos – quando termino de escrever este texto, em dezembro de 2024 – o capitão Jacy Ochsendorf e Souza e o general reformado José Antônio Nogueira Belham, ex-comandante do DOI. Só os dois ainda recebem dos cofres públicos, todos os meses, um total de R$ 59,4 mil por mês da União por suas aposentadorias. Além disso, o Estado paga outros R$ 80,7 mil em pensões a oito familiares dos demais réus que já morreram. Ao todo, eles recebem, mensalmente, R$ 140,2 mil.

Belham é um capítulo à parte. Em 2019, ao investigar um esquema de corrupção e lavagem de dinheiro no antigo gabinete de Jair Bolsonaro na Câmara dos Deputados, descobri, junto com a jornalista Juliana Castro, que o ex-presidente da República nomeou, ao longo do ano de 2003, como assessora parlamentar, Maria de Fátima Campos Belham, a mulher do general. Na ocasião em que o general foi convocado para depor pela Comissão Nacional da Verdade, em 2014, Bolsonaro chegou a sair em sua defesa e declarou para o jornal Folha de S. Paulo: “O apelo que faço é para que o general possa falar o que ele bem entender e não fique preso só ao Rubens Paiva”.

Um episódio que demonstra como os militares que atuaram na ditadura mantêm sua influência em setores políticos e das Forças Armadas até agora. Um dos últimos atos de Bolsonaro na Presidência da República foi extinguir a Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos, sem que os trabalhos de localização de todos os 210 desaparecidos tenham sido concluídos.”


ARTIGO

 

Juliana Dal Piva lança livro sobre o assassinato de Rubens Paiva, marido de Eunice Paiva

Euler de França Belém

O livro da jornalista investigativa sairá, em fevereiro, pela Editora Matrix. A obra promete novas revelações sobre a morte do pai do escritor Marcelo Rubens Paiva

Uma das mais notáveis repórteres de sua geração, Juliana Dal Piva vai lançar, em fevereiro, o livro “Crime Sem Castigo — Como os Militares Mataram Rubens Paiva”. A obra sairá pela Editora Matrix. Se der tempo, segue a sugestão de uma pequena mudança no título, com a retirada de “os”: “Crime Sem Castigo — Como Militares Mataram Rubens Paiva”. Ficará mais preciso. Porque nem todos “os” militares mataram o ex-deputado pelo PTB.

De acordo com Mônica Bergamo, colunista da “Folha de S. Paulo”, “a autora se debruça sobre documentos do processo aberto em 2014 para apurar o homicídio e a ocultação de cadáver do ex-deputado, que desapareceu após ser levado por um grupo de militar da casa de sua família, no Rio de Janeiro, em 1971”.

Há um bom livro sobre o caso: “Segredo de Estado — O Desaparecimento de Rubens Paiva” (Objetiva, 331 páginas), do jornalista Jason Tércio, ex-repórter da BBC de Londres, do “Jornal do Brasil”, de “O Globo” e de “Movimento”. É um profissional experimentado.

Marcelo Paiva conta a história de Eunice Paiva no livro “Ainda Estou Aqui”. O filme baseado nesta obra, com o mesmo título, deu o Globo de Ouro para a atriz Fernanda Torres, que é cotada para o Oscar.

“O livro de Dal Piva se propõe a esmiuçar as investigações que foram feitas sobre o caso desde os anos 1970. Relata, por exemplo, como a ditadura monitorou de perto os passos de pessoas interessadas em desvendar o desaparecimento com o objetivo de impedir que elas chegassem à verdade”, diz Mônica Bergamo.

Com apoio de amplos setores civis, tanto nas elites quanto entre populares, militares derrubaram o presidente João Goulart, no início de abril de 1964. O primeiro presidente militar, Castello Branco, supostamente planejou uma transição com candidato civil para substitui-lo. O mineiro Bilac Pinto, um liberal, era uma de suas apostas. Não deu pé. A linha dura, liderada por Costa e Silva, optou pela continuidade da caserna e manteve o poder.

A manutenção de partidos políticos, Arena e MDB, portanto de eleições, contribuiu para que a ditadura, embora autoritária, não se tornasse totalitária. A cassação de mandatos, com evidentes exageros, não impediu que políticos de proa da oposição, como Ulysses Guimarães e Tancredo Neves, se manifestassem com frequência.

Uma das principais falhas da historiografia patropi é concentrar-se demasiadamente na ação armada dos guerrilheiros, de resto útil aos militares duros para tornar o regime ainda mais fechado, e menoscabar a oposição legalista e os liberais arenistas (que nada tinham de truculentos). Políticos emblemáticos como Ulysses e Tancredo (poderia citar outros) pressionaram o regime o tempo todo e permaneceram na oposição. Liberais da Arena, ainda que omissos em alguns pontos, também contribuíram para que o regime fosse menos cruento.

É possível que a omissão pública tenha sido menor do que a pressão interna — o que cabe aos historiadores, como os rigorosos Carlos Fico, Elio Gaspari e Ronaldo Costa Couto (autor de um magnífico livro sobre a Abertura), investigar. Sobretudo, arenistas e emedebistas, especialmente os liberais, sugeriam, mesmo quando falavam pouco, que havia uma alternativa democrática ao sistema ditatorial. Tanto que, 21 anos depois do golpe de 64, os civis voltaram ao poder, numa combinação de um emedebista (peemedebista), Tancredo Neves, com um arenista (pedessista), José Sarney.

Mas tudo foi possível mais cedo porque havia uma tendência liberalizante tanto nos quarteis quanto no partido governista. Ao assumir a Presidência da República, em 1975, o general Ernesto Geisel se impôs uma missão — “matar” a ditadura por meio da Abertura. Geisel e Golbery do Couto e Silva eram, por assim dizer, discípulos de Castello Branco. Liberalizaram o regime de tal forma que João Figueiredo, mesmo com alguns duros no governo, não tinha mais energia nem legitimidade para fechá-lo. O processo de Abertura havia envolvido a sociedade política e a sociedade civil de tal forma que recuar era praticamente impossível.

Mas por que o regime, depois de Castello Branco, “endureceu”? Não se pode culpar apenas os guerrilheiros da esquerda, porque, mesmo antes da consolidação da Ação Libertadora Nacional (ALN), do MR-8, da VAR-Palmares e outros grupos minoritários, Costa e Silva, ainda como ministro da Guerra do primeiro governo militar, já comandava um grupo radicalizado que acabou dando as cartas até o governo do presidente Emilio Garrastazu Médici.

A radicalização à direita precede a guerrilha. Mas é fato que, com a guerrilha, os militares duros conseguiram “provar” que suas teses estavam “certas”, que os movimentos de esquerda queriam tomar o poder com o objetivo de instalar uma ditadura teoricamente proletária. Uma ditadura comunista. Militares e militantes radicais, à direita e à esquerda, passaram a se “alimentar”. Os contraditórios se “exigiam”, com os duros levando a melhor. Trocaram chumbo de 1968, a ascensão de ALN e outros grupos, a 1974 (ou 1975), com o fim do foco comunista do PC do B na Guerrilha do Araguaia. Militares e políticos civis que preferiam a democracia, que a esquerda renegava chamando-a de “burguesa” e a direita militar atacava como “corrupta”, ficaram em segundo plano, ainda que sem deixar de trabalhar pelo retorno à legalidade.

O ex-deputado Rubens Beyrodt Paiva

No meio do fogo cruzado entre extremistas militares e militantes da esquerda ficaram aqueles políticos moderados que queriam a democracia mas não cortaram todos os laços com a esquerda, como o ex-deputado federal Rubens Beyrodt Paiva, do PTB, cassado logo depois do golpe (dita revolução) de 1964.

Político sem muitas luzes, mas de posições aparentemente firmes, o engenheiro e empresário do ramo de construção civil Rubens Paiva foi preso por militares da Aeronáutica em 20 de janeiro de 1971. Foi sequestrado em sua casa. Os militares não apresentaram nenhum mandado de prisão. Torturado barbaramente por militares, morreu numa unidade do Exército, no Rio de Janeiro.

Os militares queriam saber qual a ligação de Rubens Paiva com os guerrilheiros, principalmente os que estavam no Chile e tiveram algum envolvimento com sequestros de diplomatas, como o embaixador americano Charles Burke Elbrick.

O ex-deputado conhecia mesmo Carmina, que alugou a casa para esconder Elbrick, em 1970, num bairro do Rio de Janeiro. Conhecia muito mais porque era filha de seu amigo Baby Bocayuva (Luiz Fernando Bocayuva Cunha). Além de escondê-la num apartamento de sua propriedade em São Paulo, ajudou-a na discussão da guarda de uma filha.

Segundo os dados apurados por pesquisadores criteriosos, Rubens Paiva não deu dinheiro para a guerrilha, nem articulou a sério com nenhum esquerdista de primeira ou segunda linha. Era, no máximo, um bom burguês, de consciência intranquila por viver a dolce vita dos ricos. Era dono de duas construtores, a Geobrás e a Paiva Construtora, com obras em São Paulo e Rio de Janeiro. Chegou a construir viaduto em Brasília. Prosperava, com o apoio do pai, Jaime, anticomunista, em plena ditadura, sem ser importunado. Era um dos beneficiários do Milagre Econômico do governo Médici.

Por conta dos excessos e mesmo inexperiência investigatória dos militares, Rubens Paiva foi detido, sem ter informações privilegiadas dos guerrilheiros, e foi severamente torturado. Militares o levaram e outros militares ficaram em sua casa, com quatro de seus cinco filhos e a mulher, Eunice Paiva.

Nas unidades da Aeronáutica e do Exército, as perguntas e afirmações eram sempre as mesmas. Rubens Paiva seria comunista e queriam saber sobre suas ligações com o Chile. O empresário frisou que não era comunista e não tinha ligação com guerrilheiros. Respondia com irritação, corajosamente, o que deixava os torturadores nervosos. Bateram tanto que Rubens Paiva teve hemorragia e morreu.

O livro de Jason Tércio sobre Rubens Paiva

Passados 40 anos, completados em 20 de janeiro, não se sabe onde estão enterrados os restos mortais de Rubens Paiva. Alguns livros contaram sua história, mas há lacunas. Em cinco páginas, da página 324 à 328, no livro “A Ditadura Escancarada” (Companhia das Letras, 507 páginas, 2002), Elio Gaspari publica síntese precisa. Mas agora saiu o livro “Segredo de Estado — O Desaparecimento de Rubens Paiva” (Objetiva, 331 páginas), do jornalista Jason Tércio, ex-repórter da BBC de Londres, do “Jornal do Brasil”, de “O Globo” e de “Movimento”. É um profissional experiente.

O livro conta a história de Rubens Paiva, mas, como há lacunas e não há documentação precisa disponível. Jason Tércio usa a imaginação literária onde, possivelmente, falha (e falta) a documentação. Os espaços “vazios” são preenchidos, com certa lógica, por uma narrativa, de excepcional qualidade, próxima da literatura, mas, em geral, sem descuidar dos fatos históricos. Há problemas.

Depois de 40 anos, com uma bibliografia razoável sobre Rubens Paiva, esperava-se mais revelações sobre seu desaparecimento.
No lugar de apresentar os nomes dos sequestradores e torturadores, Jason Tércio cita os “codinomes” Leão, Girafa, Morcego, entre outros. Apresenta alguns nomes esparsamente, vinculando-os ao sequestro e morte de Rubens Paiva, mas sem firmar posição.

Nem mesmo o médico que atendeu o moribundo Rubens Paiva, Amilcar Lobo, é citado pelo nome. É apresentado como “Carneiro”. A história é a mesma contada por Elio Gaspari, com a diferença de que este dá nome aos bois. No DOI da Barão de Mesquita, o aspirante-a-oficial e médico Amilcar Lobo “encontrou um homem, nu, deitado, com os olhos fechados. Tinha todo o corpo marcado de pancadas e o abdômen enrijecido, clássico sintoma de hemorragia interna. ‘Rubens Paiva’, murmurou duas vezes o preso, abrindo os olhos. (…) Pretendiam esquartejá-lo. Comandava o DOI o major José Antonio Nogueira Belham”, conta Elio Gaspari.

“Assassinara-se um ex-deputado federal cuja atividade política era desassombrada, porém inofensiva, e cuja vida pessoal acompanhava muito mais os padrões da elite do Milagre do que os códigos da militância esquerdista. Contara-se uma história insustentável, e encerrara-se o assunto. Tinha razão o deputado Pedroso Horta: ‘Não há nada a fazer. E, realmente, não há’”, escreve Elio Gaspari. Citando fontes, Elio Gaspari esclarece o caso.

Jason Tércio precisou de 331 páginas, mas não elucida toda a história. E sem citar suas fontes. “Medici dobra a carta, enfia no envelope, acende um cigarro e liga o radinho de pilha sobre a mesa”, conta Jason Tércio. Qual é a fonte? A informação não tem tanta importância, pode-se dizer. Mas de onde Tércio a tirou? Ele não cita fontes. O livro é ruim? Não. Mas deixa espaço para uma obra menos enigmática.

A história da morte de Rubens Paiva está esclarecida. Tudo indica que o corpo foi esquartejado, na Casa da Morte, em Petrópolis. Mas o que foi feito dos restos mortais? Militares, intramuros, consideraram o assassinato um erro? Há espaço para um livro mais rigoroso. (Euler de França Belém)

A resposta de Jason Tércio ao Jornal Opção

Prezado Euler de França Belém, sou o autor do livro sobre Rubens Paiva. Agradeço os elogios e quero rebater as críticas.

1

Você diz que Rubens era “político sem muitas luzes”, mas na verdade ele era uma das lideranças nacionais emergentes: vice-líder do PTB, fazia parte do grupo de maior projeção do partido, foi vice-presidente de uma CPI de grande repercussão e participava regularmente de reuniões com Jango, tudo isso num primeiro mandato e que durou pouco mais de um ano.

2

Você diz “no lugar de apresentar os nomes dos sequestradores e torturadores, Jason Tércio cita os “codinomes” Leão, Girafa, Morcego”. No epílogo do livro eu cito os nomes dos cinco acusados pela tortura e morte de Rubens.

3

Você cita um trecho do livro de Elio Gaspari no qual este diz que quando Rubens morreu “comandava o DOI o major José Antonio Nogueira Belham”. Está errado. Quem comandava o DOI, como eu digo no meu livro, era o major Francisco Demiurgo Santos Cardoso, tenho documento comprovando.

4

Você diz “citando fontes, Elio Gaspari esclarece o caso.” Ele não esclareceu nada, apenas resumiu a história, com outros erros que ocupariam muitas linhas aqui se eu fosse citar e rebater, e não é Gaspari que está em questão, eu o respeito muito.

5

Eu não cito fontes em função da linguagem literária adotada, que não é jornalística nem acadêmica, embora eu domine também a linguagem acadêmica, inclusive fiz mestrado.

6

Você diz “Tudo indica que o corpo foi esquartejado, na Casa da Morte.” Esta é a versão de um ex-agente da repressão, na qual não acredito, por vários motivos. Há sete versões sobre o destino do corpo de Rubens, todas relatadas no final do livro.

7

Por fim, talvez lhe tenha passado despercebido, mas meu livro revela claramente, pela primeira vez, como a cúpula do Exército, o Ministério da Justiça, o STM, o partido do governo na época e até o presidente Médici contribuíram para ocultar a morte de Rubens e impedir as investigações. (Jason Tércio)

FONTE : https://www.jornalopcao.com.br/colunas-e-blogs/imprensa/juliana-dal-piva-lanca-livro-sobre-o-assassinato-de-rubens-paiva-marido-de-eunice-paiva-670690/

 

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