Neil Gaiman: Histórias Selecionadas
Antologia de Neil Gaiman apresenta o melhor da carreira do autor de ‘Sandman’
Certo dia um escritor acordou com vontade de reunir em um livro o melhor que já tinha feito. Teve então a ideia de convidar leitores para fazer a seleção. Seis mil responderam ao seu pedido naquele ano de 2019. E o resultado é “Neil Gaiman: histórias selecionadas”, com 52 textos organizados em ordem cronológica — e não de popularidade, como o próprio Gaiman fez questão de frisar em seu perfil na rede X. A antologia do mestre das narrativas fantásticas, que acaba de sair no Brasil pela Intrínseca, reúne em 652 páginas os “greatest hits” do autor britânico de 63 anos na opinião de quem mais importa para ele: seus fãs.
Há histórias de terror, de humor, de amor, de fantasma e de mistério, para todo tipo de leitor, já apreciador de Gaiman ou não. E este é o maior trunfo do livro: apresentar o escritor que se tornou popular através dos quadrinhos a qualquer pessoa, mesmo aquela que nunca o leu. Com tantos textos, entre eles trechos de romances (“Lugar nenhum”, “Stardust: o mistério da estrela”, “Deuses americanos”, “Os filhos de Anansi” e “O oceano no fim do caminho”) e contos que depois virariam HQs (“Mistérios divinos”, “A filha das corujas”, “O sacrifício” e o ótimo “Como falar com garotas em festas”), quem é fã do autor de “Sandman” pode topar com algo que já conheça. Ainda assim, há 16 histórias que saíram do livro “Fumaça e espelhos”, publicado por aqui em 2004 e fora de catálogo desde então.
Desta safra, vale destacar alguns textos. “Podemos fazer por atacado”(de 1984, que abre a antologia) parece um episódio da clássica série de TV “Além da imaginação”. “Cavalaria”, de 1992, apresenta uma senhora que compra, por acaso, o Santo Graal em um antiquário e é visitada por ninguém menos que Sir Galahad, da Távola Redonda. Já “O presente de casamento” talvez seja o melhor conto do livro. Na trama, recém-casados são surpreendidos com um estranho presente que lembra uma certa história de Oscar Wilde.
De inédito no Brasil, mesmo, existem apenas três histórias nesta coleção. “Criaturas míticas” reúne seis textos curtos sobre os tais personagens do título (gigantes, duendes, dragões, sereias, unicórnios e fadas) que Gaiman escreveu para acompanhar selos postais ilustrados pelo velho parceiro Dave McKean e lançados pelo correio do Reino Unido em 2009.
“Eu, Cthulhu” é um dos textos mais antigos da antologia. Foi publicado pela primeira vez em um fanzine chamado “Dagon”, no início de 1987 e, apesar de não estar em nenhum outro livro do autor, pode ser lido gratuitamente, em inglês, em seu site. A bem-humorada história de apenas sete páginas traz a entidade monstruosa de H. P. Lovecraft narrando em primeira pessoa (ou melhor, primeira criatura) suas memórias desde o nascimento.
“Macaco e a dama”, de 2018, fecha o livro e foi a única história que Gaiman fez questão que entrasse, pois ele a adora e acredita que poucos tenham lido. Saiu lá fora somente em uma antologia de McKean chamada “The weight of words” (“O peso das palavras”) com escritores como Gaiman, Joe Hill e outros.
Realidade com fantasia
Quem nunca leu o Gaiman de narrativas curtas vai se surpreender positivamente com esta coleção do escritor, responsável por um estilo que traz a fantasia para o mundo real. Seus personagens, ocupados com afazeres cotidianos, por vezes convivem com fadas, gnomos, bruxas e o que mais ele imaginar de diferente e mágico. Na maioria das vezes, funciona muito bem.
O jamaicano Marlon James, autor do romance vencedor do Man Booker Prize “Breve história de sete assassinatos”, assina o prefácio da antologia. Nesta introdução, ele compara Gaiman e outro mestre, o argentino Jorge Luis Borges (1899-1986): “Ele escreve sobre as coisas como se elas já tivessem acontecido, descreve mundos como se já vivêssemos neles e conta histórias como se fossem verdades concretas que ele só estivesse compartilhando.”