Vida

Vida

 (Life, 2017)

Por Francisco Carbone

O divertido nascimento de um cara vulgar.

O filme de Daniel Espinosa abre com um plano-sequência, super orgânico e nada extravagante, apenas uma mola para abrir uma narrativa de maneira elegante. A qualquer apreciador de cinema mais exigente a sequência não passará despercebida, e o que irá segui-la será cercado de expectativa por conta dessa abertura; meia hora depois (se isso tudo), já com com a cabeça desanuviada, estaremos positivamente confortáveis. Nem todo mundo quer ser Iñárritu e esfregar seu infinito “rigor técnico” na cara do público; ainda bem. Espinosa quer apenas contar sua história da forma mais eficiente possível, mas isso não precisa ser definido como porco, pelo contrário. A abertura não é o único momento onde Espinosa poderá mostrar sua mão habilidosa.

A verdade é que todos sabem em que fonte Vida bebe, desde o trailer, mesmo nos stills: é um não-assumido remake de Alien: O Oitavo Passageiro, que aos poucos trata de criar uma narrativa particular. Podemos entender isso como um senhor risco, tendo em vista que o filme de Ridley Scott é um clássico atemporal, e quando falo isso (mesmo soando redundante) é porque quero dizer que Alien não está no lugar de um Amarcord da vida; todos já viram e continuam vendo Alien até hoje, e o filme continua funcionando e encantando. Acrescente ao risco o fato de que Scott entrega um novo capítulo da franquia já em poucas semanas, o que torna o passatempo de Espinosa ainda mais que arriscado, como descartável. E taí, podemos praticamente ouvi-lo durante toda a projeção gritando “e daí?”. Temos a nossa frente um cara consciente.

Além disso tudo, o espaço voltou a ser ‘cool’. Gravidade, Avatar, Interestelar, Perdido em Marte, A Chegada e isso só pra citar os exemplares bem sucedidos estão na boca do povo e todos fazem parte da nossa década, nada mais natural que voltem a pensar no espaço como fonte de thrillers opressivos como nos anos 70; Espinosa não quer inventar a roda, apenas entregar diversão. E divertir. Ele já tinha sido bem sucedido nesse intento há 5 anos atrás no policial Protegendo o Inimigo, um hit com Denzel Washington e Ryan Reynolds, que retorna a ser dirigido por ele aqui. Tanto lá quanto cá, a consciência em entregar diversão sem compromisso aumentaram os resultados finais dos projetos.

Que fique claro: ter a certeza do tamanho do seu alcance não limita sua competência. Não é por não ser um artesão imagético que Espinosa se furta em construir sequências de tirar o fôlego, e após a abertura voltamos a ficar impressionados com o surgimento da vida alienígena ao alcance dos dedos, os dois passeios fora da nave com desfechos bem distintos, o primeiro ataque de Calvin (uma sequência enorme e formidável que envolve todo o elenco do filme) e o plot twist final, que se não inacreditável ao menos é ultra bem construído. Por ter a certeza de que não tem em mãos um roteiro no nível dos listados acima, o sueco de pais chilenos constrói seu longa metragem em catarse emocional, entretendo e dando a seu elenco ao menos a possibilidade de se divertir tanto quanto o público. O sexteto capitaneado pelo já citado Reynolds e mais Jake Gyllenhaal e Rebecca Ferguson alem de tudo foi pensado de forma inclusiva, misturando etnias e nacionalidades sem parecer forçado, sem a necessidade de grandes voos dramáticos que nem são exigidos.

Pensando e conduzindo sua narrativa da maneira mais funcional possível, para entregar à plateia o material prometido com o mínimo de competência e esmero, Espinosa acaba esbarrando em pelo menos um longa hoje muito respeitado, O Enigma do Horizonte, do agora celebrado “autor vulgar” Paul W. S. Anderson. Sem os requintes de ambientação e mise-en-scene vistos lá, fica clara a intenção de Espinosa em observar quem já passeou pela seara antes dele, ao entregar o punhado de cenas eletrizantes descritas acima que, unidas ao material progresso do autor na Suécia e Dinamarca dedicados ao cinema de gênero, nos faz observar o amadurecer de um cineasta que sabe não ter nascido para alcançar prêmios e listas de festivais europeus. Que tenha percebido rápido o suficiente sua vocação para a diversão e seu talento para as emoções baratas é hoje um mérito digno de aí sim no futuro se projetar, ainda que de maneira vulgar.

( Fonte: www.cineplayers.com )

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