O jardim secreto

 “O mundo inteiro é um jardim”

HEITOR ROMERO

O menino de 9 anos que não sabe andar, não por algum acidente ou má formação, mas simplesmente por ter sido trancafiado dentro de casa e ultraprotegido até mesmo do contato com a luz sol, dá os seus primeiros passos dentro do jardim. O outro rapaz, pobre e simplório, tem a oportunidade de fugir da vida de trabalho pesado e falta de cuidado dos pais ao se refugiar no jardim. A garota mimada, recém órfã e jamais amada por alguém, encontra no mesmo jardim colorido a chance de acolhimento em um mundo cinzento demais para uma criança. Em O Jardim Secreto (The Secret Garden, 1993), todos os personagens, ainda muito novos para suportarem tanto desamor, buscam por uma redenção ou um recomeço, e os caminhos deles se cruzam justamente em um local idílico e mágico demais para perdurar naquele universo.

A delicadeza da obra da diretora polonesa Agnieszka Holland na adaptação do livro de Frances Hodgson Burnett se encontra no minucioso cuidado em fazer do jardim um ponto de contraste na narrativa. Antes do surgimento dele, tudo é rodeado de um suspense e mistério quase pesados demais para um filme infanto-juvenil. Os personagens são em sua maioria rabugentos, mau humorados, agressivos, os ambientes são frios, as interações mecanizadas e sem brilho. Parece até difícil embarcar no drama da protagonista Mary Lennox (Kate Maberly), uma garota sisuda que perde os pais durante um terremoto na Índia e se vê obrigada a ir morar com um tio distante em uma mansão isolada no interior da Inglaterra. Se os criados da casa são em maioria apáticos, como a severa governanta Sra. Medlock (Maggie Smith), a própria Mary não é muito carismática.

Holland dedica toda sua primeira hora a explorar esse universo de frieza e tristezas, em especial com o aparecimento de Colin Craven (Heydon Prowse), o primo de Mary mantido inerte numa cama como uma criança frágil e ultrassensível a qualquer contato com outras pessoas ou ambientes. O verdadeiro problema de Colin, no entanto, é a distância do pai, que passa mais tempo viajando para longe do casarão, fugindo de tudo que lembre a esposa morta – incluindo o próprio filho. Geniosos e temperamentais, Mary e Colin só se aproximam graças ao meio de campo que o doce criado Dickon (Andrew Knott) estabelece entre eles. Juntos, os três formam uma amizade improvável, baseada especialmente nas carências e faltas que os acometem e que de alguma forma são supridas pela aproximação deles.

Tudo na vida deles – e na narrativa – se transforma com a descoberta de um jardim misterioso, cercado por muros e trancado nos arredores da parte externa da mansão. Mary descobre que o local fora fechado no passado após a morte da mãe de Colin, para quem o Lorde Craven (John Lynch) havia construído de presente o jardim, e que agora se transformou num espaço morto e mórbido que o lembrava de seu amor perdido. Uma vez dentro dos muros, a garota descobre um refúgio de suas próprias dores, assim como uma oportunidade de recomeço, decidindo por fim replantar toda a flora perdida do jardim com a ajuda de Dickon e Colin.

Numa narrativa simples, que vai do cinzento ao colorido, do triste ao alegre, do morto ao renascido, Agnieszka Holland trabalha suas imagens em dégradé para sair da paleta de cores frias do início até chegar na explosão policromática da reta final, quando o jardim floresce na primavera e traz uma felicidade que até então parecia impossível na vida de todos os personagens. Sem pressa, a diretora consegue fazer de elementos naturais, como flores, plantas, animais e luz do sol um conjunto mágico de conto de fadas, como se O Jardim Secreto fosse na verdade uma fantasia extraordinária, quando no fundo não passa de um drama sobre renascimento. Parte do sucesso está no tato do roteiro de Caroline Thompson, romancista e roteirista responsável por fantasias de semelhante delicadeza lúdica, como Edward Mãos de Tesoura (Edward Scissorhands, 1990), O Estranho Mundo de Jack (The Nightmare Before Christmas, 1993) e A Incrível Jornada (Homeward Bound: The Incredible Journey, 1993).

Aos olhos daquelas crianças desacostumadas com a natureza, com os risos e com as brincadeiras, o desabrochar de uma flor de repente ressignifica toda a noção delas sobre a existência e sobre as possibilidades de um futuro feliz. Para Colin, é aprender a andar e enfrentar aquele mundo lá fora do qual foi privado, ou a chance de se reconectar com seu pai, mesmo apesar do fantasma da mãe assombrando a relação deles. Para Dickon, é a simples oportunidade de ser criança em uma vida de trabalho árduo, enquanto para Mary é a noção de amor, cuidado e acolhimento que ela jamais teve em sua curta existência. As sequências que Holland grava do desabrochar do jardim são das mais lindas do cinema infanto-juvenil da época, uma verdadeira poesia sobre a beleza de mundo que só se enxerga de verdade quando ainda somos crianças.

( Fonte: www.cineplayers.com)

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