Marighella
Os Comunistas, os Comunistas!
Por Igor Guimarães Vasconcellos
“O mulato baiano, mini e manual
Do guerrilheiro urbano que foi preso por Vargas
Depois por Magalhães, por fim, pelos milicos
Sempre foi perseguido nas minúcias das pistas
Como são os comunistas?”
Como são os comunistas? Pergunta colocada por Caetano Veloso na canção “Um Comunista” – sobre o próprio Carlos Marighella – podia abrir qualquer domingo de reportagem especial no “Fantástico”, com trilha sonora assustadora e tom dramático. Sim, por mais informações que existam, ainda há uma insistência boboca (e calculista) em transformar uma escolha política num circo de atrações bizarras, facilmente aplaudido pelo público.
O cinema brasileiro do pós-ditadura, muitas vezes, tratou de desmitificar essa (s) máscara (s), trazendo um senso de humanidade aos monstros. Os exemplos são inúmeros, desde o aclamado O que é isso, companheiro? (1997), depois em O Ano que meus pais saíram de Férias (2006), ou mesmo no mais recente, Deslembro (2018), vemos a construção de relatos ficcionais que demonstram que a clandestinidade não era uma opção, mas sim uma imposição, e além disso, colocam a perseguição aos clandestinos no lugar onde deve estar: a total estupidez.
Marighella (2018) entra nesse bonde temático de cabeça. Biografar em imagens o inimigo numero 1 dos militares apresenta-se como uma dinamite acendida no momento político trágico que vive o Brasil. Como qualquer filme desse gênero, pretende retratar o período histórico ao qual está inserido – nesse caso, mais do que a maiorias dos filmes biográficos que você possa lembrar – e fala diretamente sobre o presente, ou melhor, grita.
Esta escolha arriscada significa não optar por uma verossimilhança total com a vida do biografado: o corte temporal e narrativo escolhido (adptação ao livro de Mario Magalhães) deixa para trás o seu passado como político institucional, a relação mais profunda com Clara Charf, as viagens à Cuba, ou processo de escritura do “Manual do Guerrilheiro Urbano”. Wagner Moura deixa claro que não quer documentar, isso deixa para Silvio Tendler ou para Isa Ferreira; o realizador baiano escolhe um lado, o lado da dimensão ficcional.
O dendê da moqueca das experiências de Moura é olhar essa figura histórica, envolta de polêmicas, colocando-a especificamente sobre duas camadas de interesse entre as várias possíveis do camaleônico poeta, orador, amante de carnaval e futebol, que é o biografado. A primeira e mais famosa: guerrilheiro urbano; a segunda, e que assina o olhar do cineasta sobre a vida do homem Carlos Marighella: pai de um menino, separado dele por motivos de segurança. A dupla função social dá o ritmo da narrativa, do começo ao fim.
É certo que essa escolha proporciona um filme excessivamente longo, sem fazê-lo mais complexo, ou apresentar um corte histórico que vá além do seu período clandestino mais pesado. O relato centra-se em demonstrar o quão bárbara, assassina e burra era essa perseguição obsessiva aos comunistas travestida de patriótica, patrocinada pelos Estados Unidos – em especial a um pai de família nordestino.
Diferente do que a crítica idiota e os seguidos boicotes sem sentido apontam, o filme não constrói a imagem de um santo. Marighella optou pela luta armada, era um revolucionário que via na guerrilha urbana a solução única para desarmar a opressão aos marginalizados e lutar contra a ditadura. Se isso é correto ou não, a obra não pretende a esse texto resolver, mas o que é certo é: não há romantizações sobre essa escolha, o destino é a tortura e a morte.
O filme é político? Sim! Mas quem imaginou que um filme sobre o Marighela não fosse é no mínimo inocente. Não há demérito nisso, muito pelo contrário, vide Costa-Gravas, ou ainda mais explosivo Gilo Pontecorvo. Num país que ainda acredita e compartilha esquizofrenices como “mamadeira de piroca”, as escolhas de Moura, num primeiro filme, ainda que debatíveis narrativamente, são necessárias, desde explicar didaticamente que por trás de um comunista há um homem, até colocar na capa do filme de um dos atores queridinhos do país – O Capitão Nascimento da Nação – o rosto de um homem negro, e que homem, senhoras e senhores!
Confesso que umas maiores curiosidades deste que os escreve com o Wagner Moura como diretor, já que este já circulou em tantos e variados ambientes audiovisuais, era como construiria esteticamente o seu relato. E sim, vemos o cara do teatro baiano quando potencializa seus atores, o Moura das telenovelas, quando escolhe o Bruno Gagliasso (em excelente forma!) como um de seus principais personagens, O Capitão Nascimento ao usar a voz off como um de seus principais recursos, e finalmente um Moura experimentado e cinéfilo, fã dos longos planos sequência virtuosos de Olivier Assayas, seu parceiro em Wasp Network: Rede de Espiões (Wasp Network, 2020), essencialmente no inspiradíssimo ato de abertura num assalto ao trem (ponto alto da obra, cinematograficamente).
Se o filme inicial de uma das carreiras mais exitosas do nosso cinema perde-se em narratividade, também pelo desejo de estilhaçar o finíssimo e sujo vidro do desgoverno brasileiro atual com um símbolo de resistência que jamais deve ser esquecido, é de lastimar por um lado, por outro devemos aplaudir a sua notória competência de poder alcançar esse lugar e optar por não se acovardar.
Viva a Bahia! Viva Marighella! Viva o cinema brasileiro!
– filme visto em Lisboa, Portugal
( Fonte : https://www.cineplayers.com/criticas/marighella
Wagner Moura sobre o filme Marighella: “Estou preparado para a porrada”
Após ter lançamento adiado por dois anos, filme estreará em 4 de novembro; releia entrevista do ator concedida em 2019
José Eduardo Bernardes e Mariana Pitasse
“‘Cuidado que o Marighella é valente’, alertou um agente da repressão antes de umas das muitas tentativas de captura do líder revolucionário durante a ditadura militar”. A passagem da biografia de Carlos Marighella, escrita por Mário Magalhães, retrata uma das principais facetas do protagonista do filme dirigido por Wagner Moura, que estreia nos cinemas nacionais, depois de dois anos de espera, no próximo dia 4 de novembro. A data marca os 52 anos do assassinato do guerrilheiro brasileiro. ( Leia completo)