Madres paralelas

Cinema: Em “Madres Paralelas”, Almodóvar une maternidade e política num filme denso

resenha de Renan Guerra

A maternidade é um tema basilar dentro da filmografia do espanhol Pedro Almodóvar e é interessante como ele sempre consegue apresentar novas perspectivas e possibilidades dentro desse universo. Em “Mães Paralelas” (Madres Paralelas, 2021) ele vai conectar as histórias de mães e mulheres com a história da Espanha, em um resgate memorial sobre perda, solidão e irmandade.

A história inicial do filme centra-se na fotógrafa Janis (Penélope Cruz), que está grávida e acaba por dividir um quarto de hospital ao lado da jovem Ana (Milena Smit), também grávida. As duas dão a luz no mesmo dia e suas vidas vão acabar se cruzando de diferentes formas. Em paralelo, também acompanhamos a tentativa de Janis de encontrar os restos mortais de familiares e vizinhos que foram assassinados pela Falange Espanhola, grupo fascista que atuou durante a Guerra Civil Espanhola na década de 1930.

Lendo assim, parecem dois plots absolutamente distintos, mas não o são: Almodóvar consegue alinhavar tudo de forma extremamente coesa e bem desenvolvida. Temos poucos personagens na tela e há tempo suficiente para que eles sejam aprofundados, tanto que Janis e Ana são complexas, cheias de nuances e funcionam perfeitamente nas mãos de Penélope Cruz e Milena Smit. Penélope, inclusive, já ganhou os louros dessa atuação, recebendo o prêmio de melhor atriz no 78º Festival de Cinema de Veneza, em 2021, e agora uma indicação ao Oscar de Melhor Atriz – “Mães Paralelas” também foi indicado ao Oscar na categoria Melhor Trilha Sonora Original, para Alberto Iglesias.

Para completar o elenco, ainda temos a presença de Rossy de Palma, uma das chicas Almodóvar mais icônicas em sua oitava colaboração com o cineasta, aqui como a melhor amiga de Janis, e a atriz Aitana Sánchez-Gijón interpretando a mãe de Ana. Aitana, aliás, aparece pouco, mas surpreende em cada momento que está na tela, pois sua personagem é uma espécie de contraponto: a mãe não-maternal perante as outras. Além delas, há uma pequena participação de Julieta Serrano, atriz fundamental na filmografia de Almodóvar, que está presente em “Maus Hábitos” (1983), “Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos” (1988), e, mais recentemente, em “Dor e Glória” (2019).

Todos os itens clássicos de um filme de Almodóvar estão aqui: a conexão com outras artes (nesse caso, a fotografia e o teatro), as cores marcantes, os figurinos exuberantes (há um desfile de peças da Dior, Valentino, Prada e Miu Miu na tela), o povoado típico do interior da Espanha, as comidas fartas e a união entre as mulheres. Exemplo interessante são as cenas em que Janis (Penélope Cruz) aparece cozinhando e até mesmo ensinando Ana (Milena Smit) a lidar com a cozinha – há uma cena envolvendo uma fritata que é de uma delicadeza e de uma beleza.

De todo modo, assim como outros longas mais recentes de Almodóvar, vide “Julieta” e “Dor e Glória”, esse aqui é um filme mais denso, o humor aparece pouquíssimo e o que dá o tom é uma melancolia e um medo constante da solidão. Isso tudo é demarcado pelo pano de fundo político do filme: todos os personagens são delineados e marcados pela história da Espanha, são as dores e a violência do país que constrõem essas mulheres. É muito marcante quando Janis (Penélope Cruz) diz que será uma mãe solteira como foram sua mãe e sua avó, uma vez que sabemos que o avô da personagem foi assassinada por movimentos fascistas.

O povoado de origem de Janis é construído dessas mulheres que sozinhas criaram suas famílias e mantiveram suas origens e há uma luta silenciosa dessas mulheres para manter vivas as memórias, as histórias e o passado. Como a própria personagem de Penélope Cruz ressalta, é fundamental que esse passado seja dito, contado e recontado para que se entenda o hoje. E isso talvez seja o maior trunfo de “Mães Paralelas”, pois é a partir de uma conexão com suas memórias que entendemos o presente das personagens e suas ações. Medo, mentiras e segredos movimentam a narrativa, mas também demonstram a fragilidade das relações e das personagens.

Esse é talvez um dos filmes mais complexos e densos de Almodóvar e seria muito fácil ele se perder nessa amarração narrativa, mas, pelo contrário, o diretor parece cada vez mais maduro e sábio ao desenvolver suas histórias. Há uma sisudez em seu olhar, mas ela é necessária para o que ele quer nos contar agora. Em um tempo de violências, de renascimento de movimentos neo-fascistas e de tensões políticas, o que Almodóvar faz aqui em “Mães Paralelas” é um filme que deixa latente o impacto de todas essas questões em nossas vidas, reforçando que o silêncio não é um auxílio e que a história deve ser escavada de novo e de novo, como lembrete.

( Fonte :http://screamyell.com.br/site/)

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