Influenciado por “Bacurau” e Tarantino, “Uma Batalha após a Outra”, de PTA, sacaneia Trump e a esquerda radical
texto de Marcelo Costa
Em um de seus melhores filmes, “One, Two, Three”, de 1961, um Billy Wilder incisivo desmoralizava comunistas, capitalistas, nazistas, socialistas, esquerda e direita, tudo ao mesmo tempo, de modo que sobrava pouca gente inteligente para admirar o sarcasmo afiado de um roteiro brilhante, e o filme (precedido imediatamente pelos clássicos “Quanto Mais Quente Melhor” e “Se Meu Apartamento Falasse”, de 1959 e 1960) fracassou. “Uma Batalha após a Outra” (“One Battle After Another”, 2025), de Paul Thomas Anderson, poderia seguir o mesmo caminho ao desenhar uma esquerda radical patética e exagerada e uma extrema direita racista e soberbamente idiota, mas os tempos são outros: com custo aproximado de 130 milhões de dólares, “Uma Batalha após a Outra” já arrecadou 138 milhões em duas semanas em cartaz (já é a maior bilheteria da carreira de Paul Thomas Anderson, um dos melhores cineastas do mundo em atividade).
Em um momento de recrudescimento da extrema direita no mundo em geral, e nos Estados Unidos em particular, via autoritarismo, segregação e fake news do governo do monarca Donald Trump, “Uma Batalha após a Outra” se inicia com o grupo revolucionário de extrema esquerda French 75 libertando imigrantes detidos no Centro de Detenção de Otay Mesa, no sopé das Montanhas San Ysidro, com vista para a fronteira entre os EUA e México. Aparentemente liderados pela extasiante Perfidia Beverly Hills (Teyana Taylor espetacular), o French 75 não apenas liberta os prisioneiros como dá um pequeno show com bombas, rojões e fogos de artíficio. Mais: em um momento deliciosamente tarantinesco, Perfidia humilha o comandante Steven J. Lockjaw (Sean Penn, sensacional), que desenvolve um fascínio sexual por ela.
Entre os integrantes do grupo French 75 está “Ghetto” Pat Calhoun (Leonardo DiCaprio, hilário), um maconheiro abobado especialista em explosivos que, no melhor estilo Lampião e Maria Bonita, formará um casal – e uma família – com Perfidia. A diferença é que aqui quem dá as cartas é ela. Sob seu comando, o French 75 realiza ataques a escritórios de políticos, bancos e à rede elétrica, e tudo segue até uma ação em que, no momento em que está plantando uma bomba, Perfidia é flagrada pelo comandante Lockjaw, que “negocia” um pagamento especial por sua liberdade. Meses depois, nossa anti-heroína dá luz a Charlene, e com a saúde mental fragilizada ainda mais pelo puerpério, deixa a bebé com o pai Pat e parte para tentar mudar o mundo com uma metralhadora nas mãos. A ação termina em tragédia, o grupo é delatado e quem não levou bala na cabeça (coitadinha da Alana Haim) precisa reconstruir a vida em outro lugar, com nova identidade e regras severas.
Tudo isso se passa em cerca de 30 minutos dos 162 de “Uma Batalha após a Outra”, e ainda que a saída de cena de Perfidia Beverly Hills seja sentida pelo espectador, o que Paul Thomas Anderson propõe a seguir em um de seus filmes mais cômicos é uma atualização de “Vineland”, romance de ficção pós-moderna escrito por Thomas Pynchon em 1990. Se o livro de Pynchon (segundo que PTA adapta do escritor – o primeiro foi “Vicio Inerente”) articula a transformação da sociedade americana entre as décadas de 1960 e 1980 com foco na guerra às drogas e na repressão fascista de Nixon que desembocaria nos governos Reagan, na versão de PTA – que se inspirou vagamente no livro – temos a crise imigratória como pano de fundo (e fica impossível não fazer uma conexão com o desgoverno Trump e o momento vivido nos Estados Unidos) e um triângulo nada amoroso como detonador de explosivos. Dessa forma, assim como Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles fizeram com “Bacurau” (uma influência nítida), PTA deixa lacunas e buracos pelo caminho muito mais interessado na ação (e na ridicularização dos extremos) do que em um pensamento racional de roteiro.
“Uma Batalha após a Outra” é um filme vertiginoso que defende que esses não são tempos de delicadeza ao abusar da caricatura e hiperbolizar satiricamente os personagens: a militante sexy que parece tomar café com leite e ecstasy todas as manhãs. O militar corrupto de postura TFP impecável disposto a qualquer coisa por uma boa trepada interracial. O esquerdomacho que passa o dia fumando maconha e recrimina a filha por ter um colega trans. Os velhos poderosos milionários de direita com seus clubinhos secretos que atualizam a Ku Klux Klan sonhando com um natal branco. A falta de jogo de cintura da esquerda em lidar com algo que não esteja no manual. E por vai. Empilhando clichês, Paul Thomas Anderson fez um dos filmes mais tarantinescos do cinema recente (para desespero de Fiona Apple, que deve seguir traumatizada com as noites de cocaína e egos inflados que acompanhou dos dois diretores quando viveu um relacionamento “doloroso e caótico” com PTA) combinando satira politica, humor absurdo e thriller de ação para falar de “coisas sérias” como a polarização que está corroendo a alma da América. É tudo isso e nada disso ao mesmo tempo.
O resultado é um filme selvagem prestes a atropelar a toda velocidade o espectador que está comendo pípoca em uma autoestrada no meio da sala de cinema. Está longe de ser um clássico intocável como “Magnólia”, “Sangue Negro”, “Trama Fantasma”, “Bastardos Inglórios” ou “O Grande Lebowski” (acredite: há muito de irmãos Coen aqui também), mas, emocionalmente, está facilmente no nível desses cinco. É PTA em grande forma, liberto das amarras do manual do cineasta certinho. Ok, o exagero (controlado, mas, ainda assim, exagero) sempre foi um componente do cinema desse californiano que nasceu em Studio City, bairro de Los Angeles, mas em “Uma Batalha após a Outra” há um notável descontrole intencional que conduz os personagens de uma maneira que sugere que o próprio Paul Thomas Anderson ficou curioso de até onde eles (e o próprio filme) poderiam ir.
O que surge na tela é muito mais passional do que cerebral, uma bomba relógio em formato de coração prestes a explodir, um dos grandes eventos cinematográficos (e culturalmente politizados) da temporada. Assista e, enquanto cada lado da militância recorta o que importa para defender seus interesses, assista novamente. E reflita: o que se deve fazer quando palhaços poderosos estão brigando pelo centro do picadeiro? Rir é instintivo, mas não basta, pois, neste caso, a tragédia está sendo televisionada… uma batalha após a outra. Vai pensando enquanto a continuação (e o caminhão de Oscars) não chega(m), pois ela virá. Certamente.
Ps 1 – É preciso ao menos citar Benício del Toro e Chase Infiniti! Palmas para eles!
Ps 2 – Palmas também para a trilha sonora incrível (mais uma) de Jonny Greenwood…
Ps 3 – Que tal um bolão para saber quantas indicações ao Oscar o filme terá? Recorde à vista?
FONTE : https://screamyell.com.br/site/2025/10/09/critica-influenciado-por-bacurau-e-tarantino-uma-batalha-apos-a-outra-de-pta-sacaneia-trump-e-tambem-a-esquerdaradical/