Aos 82 anos, o ex-beatle Paul McCartney encerra mais uma turnê. O que temos a ver com isso?

Aos 82 anos, o ex-beatle Paul McCartney encerra mais uma turnê. O que temos a ver com isso?

 

Paul McCartney está no show biz há mais de 70 anos. Durante esse tempo, viveu a vida de dez homens. Milionário, bem-sucedido e reconhecido mundialmente, fez tudo aquilo que quis fazer. Encerrou neste dezembro de 2024, mais uma de suas turnês de ingressos sempre esgotados. Não tem mais a mesma voz, não tem mais a mesma agilidade. Mas não para. Dizem por aí que as dores e as perdas da vida são circunstâncias paralisantes e que só o movimento cura. Talvez seja essa a grande lição que McCartney deixa a cada concerto encerrado. ( Vladimir Araújo)

 

O show de muitas vidas: Paul McCartney ao vivo em Londres

Por Lucy Harbron, (para Far Out Magazine)  ( trad. Vladimir Araújo)

Há certos artistas que você nunca acha que verá. Quem se sente tão gigante que paira sobre seu próprio ser, existindo apenas em histórias de livros e filmes e quase divino demais para ser mortal e de repente está bem ali, no palco, na sua frente , na sua cidade? Paul McCartney é um deles, então quando o homem entra no palco no O2, há um suspiro audível logo antes de gritos e aplausos estrondosos irromperem.

Levo uma música inteira para respirar direito novamente. Após o choque de ver o homem em carne e osso, um segundo soco atinge meus pulmões e sistema nervoso quando ele começa a cantar “Can’t Buy Me Love”. Meu monólogo interno está preso em um loop: estou vendo um Beatle cantando Beatles. Este é o homem, em todas as gravações que ouvi minha vida inteira, pelo qual os fãs do mundo todo ficaram obcecados, a voz que está na minha cabeça há tanto tempo.

Atrás de mim, uma jovem, provavelmente com apenas seis anos ou mais, pode muito bem estar escutando aquilo pela primeira vez, tendo a sorte de testemunhar isso ao vivo e, esperançosamente, indo para casa e indo mais fundo, juntando-se à horda cada vez maior e sempre renovada de fãs dos Beatles.

Na frente da multidão, bem ao lado do palco, uma câmera foca em um homem com uma placa que diz 135, que é o número de vezes que ele viu McCartney ao vivo. Isso torna bem provável que ele tenha visto os Beatles quando jovem, testemunhando a trajetória histórica da banda se desenrolar em tempo real. Agora ele está mais velho, mas como a tela o mostra sorrindo, cantando junto, ele definitivamente ainda não está cansado das músicas.

Nas comemorações após cada música e nas cantorias que reverberam, há todas as idades possíveis. Aos 26 anos e vestida com meu traje dos Beatles, não sou de forma alguma a mais jovem. Em algum lugar na multidão, haverá mulheres na casa dos 80 anos usando produtos originais; elas não serão de forma alguma as mais velhas.

Apenas isso já seria uma das razões pelas quais a carreira duradoura de Paul McCartney é não apenas incrivelmente poderosa, mas parece ser necessária. Quando um artista tão velho ainda está na estrada, às vezes as pessoas questionam por que ele ainda faz isso ou se ele ainda curtiria esses momentos quando a maioria de sua faixa etária está aposentada há muito tempo levando uma vida fácil e calma. Mas olhando ao redor para a multidão, onde cada rosto está sorrindo, eis a resposta.

A outra é o próprio homem. Paul McCartney nasceu para ser músico. Nessa arena enorme, não é que ele seja um grande artista ou um showman por conta de suas piadinhas e anedotas, mas é isso também. Não é que McCartney seja um talento que o mundo raramente vê, um talento completo e totalmente inegável. Isso nos é dito repetidamente na história da música, mas quando está lá no palco, você percebe o quão verdadeiro ele é. Com um set list de três horas de duração que mal arranha a superfície de sua discografia, a quantidade de canções que ele faz é impressionante. E então, quando você ouve esses hinos atemporais como se fossem novos outra vez, a qualidade também é desconcertante.

É uma troca de energia perfeita. Enquanto a multidão está radiante, e alimenta McCartney com isso, ele sorri durante os aplausos de pé e retribui. O set list da turnê Got Back parece a prova definitiva de que ele ainda ama seu trabalho. Certos sucessos são trocados por músicas que parecem ser suas favoritas, como “Helter Skelter”, “Dance Tonight” e “My Valentine”. Misturando músicas de seu trabalho solo, Wings e Beatles, com alguns trechos que ele adora tocar, jogando um pouco de alegria natalina com “Wonderful Christmas time” e terminando no Abbey Road Medley, que ele sempre viu como uma obra sua, cada faixa é tocada com paixão, como se ele nunca se cansasse dessas faixas, assim como suas multidões não se cansam.

O show também parece profundamente pessoal. Neste ponto da carreira de alguém, seria fácil que shows ao vivo se tornassem rotina. McCartney trabalha desde a adolescência. Tirando os anos em que os Beatles deixaram de fazer shows ao vivo e tiraram alguns anos de folga aqui e ali durante sua carreira solo e o tempo no Wings, onde ele tirou uma folga para descansar, ele nunca parou. Mas em nenhum momento em seu show você tem a impressão de que ele está apenas em uma esteira rolante ou que qualquer coisa passa por ele sem emoção. Em vez disso, há a sensação de que a cada noite, em qualquer show, o músico ainda não consegue acreditar na sua sorte, olhando ao redor, absorvendo tudo como se aquele rapaz de 15 anos de Liverpool que ousou sonhar tudo isso numa realidade que ainda está dentro dele.

Mas, obviamente, seus companheiros sonhadores já não estão mais aqui. McCartney parece visivelmente emocionado durante todo o show enquanto homenageia os amigos que já se foram. Durante a interpretação de “In Spite Of All The Danger”, a primeira música que a banda gravou, ele chora. Enquanto toca “Here Today”, ele claramente ainda pensa em John Lennon, mais tarde juntando sua voz com a de seu velho amigo para “I’ve Gotta Feeling”. George Harrison é homenageado com uma bela versão de “Something”, começando no ukulele enquanto revela que seu amigo amava tocar o instrumento, antes de se transformar em no momento em que banda entra completa banda completa com um holofote brilhando em seu guitarrista, tocando o riff que seu antigo colega de banda escreveu. É “Now and Then” que me deixa louco enquanto me pego assistindo à montagem dos quatro ícones, mas os vendo como apenas quatro melhores amigos que cresceram juntos, do nada até isso tudo. Gostaria que todos ainda estivessem aqui cantando juntos e fica claro que McCartney deseja a mesma coisa enquanto se vira para as telas no fundo do palco e revive velhas memórias.

Enquanto 20.000 vozes cantam o “na na na nas” de “Hey Jude”, que todos nós já cantarolamos tantas vezes antes, perco o fôlego novamente. Há certas músicas que parecemos ter nascido sabendo. Paul McCartney escreveu muitas delas e ainda está aqui, tocando-as para nós. É o tipo de show que meus pais, meus avós, minha irmã e meus amigos vão me perguntar como foi e realmente querem ouvir sobre ele quando eu voltar para casa de North Greenwich como se tivesse acabado de voltar de ver Deus na forma de um músico que várias gerações idolatram. Mas, na verdade, a lição mais especial da turnê Got Back é que McCartney é apenas um homem.

Um homem talentoso que ama seu trabalho e um homem que só podemos esperar que continue tocando e honrando sua incrível história no palco da única maneira que ele sabe e da única maneira que merece ser honrada: com música ao vivo, uma ótima banda e uma multidão gritando.

 Fonte:

https://faroutmagazine.co.uk/paul-mccartney-live-in-london/

* O último show de Paul McCartney em 2024 contou com duas participações especiais. Ringo Starr, eterno colega de Beatles, e Ronnie Wood, guitarrista dos Rolling Stones, subiram ao palco da O2 Arena, em Londres. A colaboração já havia ocorrido em 2018, quando todos tocaram juntos a clássica “Get Back”. Desta vez, apenas Wood participou da música citada. Por sua vez, Starr tomou as baquetas para si em “Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band (Reprise)” e “Helter Skelter”.

* Paul McCartney enfatizou ter utilizado, na noite de quinta (19), seu baixo perdido Höfner 500/1 — responsável por mobilizar uma campanha para encontrá-lo após 52 anos. Macca teve acesso ao instrumento novamente no início de 2024.

 

 

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