“Yesterday” e o mundo sem os Beatles.

“Yesterday” oferece leveza, amor e belas canções num momento frágil do mundo

Marcelo Costa

Você consegue imaginar um mundo sem os Beatles (e, consequentemente, sem Oasis)? Essa é a divertida e inteligente premissa de “Yesterday”, novo esforço cinematográfico do grande diretor britânico Danny Boyle, que traz no currículo os badalados “Trainspotting” (1996), “Extermínio” (2002) e – o grande filme que lhe deu o Oscar de Melhor Diretor – “Quem Quer Ser um Milionário” (2008, e, sim, eu sei, “Cova Rasa”, o debute de 1994, merecia estar nessa lista), mas aqui optou pela veia cômico romântica que já o perseguia no bobinho ainda que divertido “Por Uma Vida Menos Ordinária” (1997).

Sim, “Yesterday” é uma comédia romântica, e ainda que muita gente esperasse um filme… ahñ… artístico utilizando a premissa “John Paul George Ringo”, a opção escolhida merece o seu sorriso (tanto quanto você acordar no dia seguinte cantando… Beatles). Pode confiar. O projeto nasceu com o nome de “Cover Version”, com o roteiro sendo desenvolvido pelo roteirista Jack Barth e pelo ator, roteirista e diretor Mackenzie Crook, que pretendia filmar e atuar. Contratempos colocaram o projeto na gaveta, e ele foi parar nas mãos de Richard Curtis, que se empolgou com a ideia, mas queria tocar o projeto escrevendo ele mesmo o roteiro.

Richard Curtis é um expert em comédias românticas com pegada de música pop. Foi ele quem escreveu o genial “Quatro Casamentos e Um Funeral” (1994), que fez com que o Wet Wet Wet batesse no número 1 da parada britânica com a cover de “Love Is All Around”, do The Troggs. Depois vieram “Um Lugar Chamado Notting Hill” (1996), com a versão de “She”, de Elvis Costello, tornando-se sua música mais conhecia para os não iniciados em sua grande obra própria, “O Diário de Bridget Jones” (2001), “Simplesmente Amor” (2003), em que ele debutou na direção, e “Questão de Tempo” (2013). Ou seja, ele manja de filmes fofinhos.

Dai chegamos a “Yesterday” e a trama é a seguinte: Jack Malick (o ator inglês de ascendência africana Himesh Patel) é um cantautor em busca do sucesso, que em 10 anos nunca veio (e se nenhum milagre acontecer, nunca virá). Sua maior incentivadora é uma (apaixonada) amiga de infância, Ellie (Lily James, do também musicado “Baby Driver”), que é professora, mas cumpre a função de empresária, vendendo shows de Malick para botecos e palcos infantis de grandes festivais. Jack está prestes a desistir da carreira quando um rápido apagão global faz com que ele seja atropelado por um ônibus, e isso lhe custe os dentes da frente e uma temporada no hospital.

Assim que recebe alta, Jack ganha um novo violão da empresária (apaixonada) e, em agradecimento, toca para os amigos… “Yesterday”, dos Beatles. Porém, ninguém na mesa reconhece a canção. “Quando você compôs isso?”, pergunta um. “É boa, mas não tanto quanto ‘Fix You’ do Coldplay”, provoca outro. “Não é a porcaria de ‘Fix You’. Essa é uma das melhores músicas já escritas em todos os tempos”, defende o músico, e uma amiga comenta: “Acho que alguém ficou bastante convencido”. Um outro amigo tenta colocar panos quentes: “Esses The Beatles devem ser uma banda obscura que só os músicos conhecem, tipo Neutral Milk Hotel”… E assim, Jack Malick descobre que os Beatles foram apagados do planeta Terra.

Porém, ele sabe um grande número de canções do quarteto de Liverpool, e começa uma busca ensandecida nos recônditos mais profundos da memória para reconstruir aquele repertório. E assim começa a escalada de Jack Malick ao sucesso, o que poderá lhe trazer muito dinheiro, fama e uma amizade com Ed Sheeran (numa participação divertidíssima), que pedirá para ele mudar “Hey Jude” para “Hey Dude” e ainda perderá uma aposta para Malick. Paralelamente, a trama deixa as canções de lado e mergulha no mundo capitalista da indústria, e tudo que Malick mais amava (e até coisas que ele nem sabia que amava) começa a escorrer pelos dedos.

Não espere de “Yesterday” mais do que ele é. Há, claro, a função interessante de apresentar a melhor banda de todos os tempos para uma nova geração (ainda que pairem dúvidas se os millennials curtem comédia romântica ou mesmo sabem que é Danny Boyle) tanto quanto celebrar aquelas canções maravilhosas, mas ainda que o mote genial seja a força motriz do filme (e de sua propaganda), ele acaba ficando numa posição secundária para que a comédia romântica prevaleça. Há lampejos de beleza, como a visita de um casal no backstage de Malick e o posterior encontro do (agora) astro com um ex-integrante da banda que deixou de existir…

Mais do que qualquer outra coisa, “Yesterday” é um filme para fazer você sair sorrindo e cantando do cinema (e na manhã seguinte também). Ele oferece leveza, conforto e amor em um momento em que a humanidade anda precisando bastante desses sentimentos. Em entrevista ao Blog do Sadovski, Danny Boyle defendeu a obra dizendo que “a nostalgia é um refúgio em momentos de grande incerteza” (nas entrelinhas temos Trump, Brexit, Bolsonaro e tudo mais), mas nem precisava tanto: um filme que diz que um mundo sem os Beatles é “infinitamente pior” já tem espaço (na Sessão da Tarde e) no nosso coração. Lembre-se: “And in the end the love you take is equal to the love you make”.

( Fonte: http://screamyell.com.br/site/2019/09/19/cinema-yesterday-oferece-leveza-conforto-amor-e-grandes-cancoes-num-momento-fragil-do-mundo/)

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