Advogado, jornalista, escritor, professor. No ano em que se completam 10 anos da morte de Artur da Távola, o Letras & Livros traz uma seleção de suas principais crônicas.
Crônicas / Biografia/ Bibliografia
1) A QUEM SE MACHUCA
Inimigos são duas pessoas pertinho uma da outra. Só que de costas. Há duas situações inimigas dentro do amor. Pertinho e uma de costas para outra. Ambas ameaçam dar certo e não dar certo.
Quando se ama, tanto se teme enfrentar a possibilidade de dar certo, cheia de prisões e tentáculos, como o risco de não dar certo e ficar rompida uma harmonia que poderia ter funcionado.
Ambas as situações convivem em quem ama: porque “viver bem” não é dar certo. Dar certo é ser capaz de prosseguir apesar do desacerto: “Viver mal” não é necessariamete dar errado. Dar errado é não poder prosseguir.
Composto também de partes inimigas, o amor se enriquece dos cansaços incapazes da destruição. Só vive do imperfeito de cada confronto. Só é, quando vive ameaçado de deixar de ser. Caso contrário, não seria: simplesmente deixaria de ser.
Os inimigos são duas pessoas pertinho uma da outra, mas de costas, porque se se virarem encontrar-se-ão. E é isso o que temem. São mais unidos, talvez, que amigos, um de frente para o outro, mas a metros ou quilômetros de distância, e só por isso se entendem.
O medo de amar é o medo de estar perto demais (ainda que de costas) o que de certa forma escraviza. O engano de amor é estar longe, mas de frente, o que de certa forma atenua.
A coragem de amar equivale à coragem de ser: é fazer dois inimigos, de costas um para outro, virarem-se de frente para sentir hálito, olho, medo, força, ternura, muita raiva e muito carinho e aceitar tudo, por isso amar.
A falsidade do amor é permanecer de frente como amigos: pura e simplesmente se aceitando. Sem contradita. Sem a oposição capaz de ser vencida pela permanência do sentimento, a despeito do eu de cada um.
O medo de quem ama é o medo da relação profunda porque nela está a entrega que não rompe, apesar das tragédias da superfície. E a superfície só faz a tragédia, para impedir que o eu contemple de frente a relação profunda. Esta contém o que não se destrói, apesar das diferenças.
Na relação profunda está o desamparo e a necessidade tão pura que nunca pôde vir à tona. Na relação superficial está a fantasia, o eu idealizado, a armadura enfeitada de cada um.
Quem se relacionar ao nível da armadura será feliz no começo, na fase hipnótica do amor. Quem preferir o nível profundo de relacionamento talvez seja até infeliz. Mas amará. A infelicidade pode fazer virar as costas para o inimigo, separar-se dele. Mesmo assim não será maior que o amor adivinhado e sentido, se a relação é profunda.
Não te vires de frente para o inimigo! Podes amá-lo. Ele vai adivinhar, e tu também, o amor que está na peleja de quem ama. Não fiques tão de frente, mas tão longe de quem gostas. No que chegares perto, talvez detestes e sejas detestado.
Amar é estar de costas. Gostar é estar de frente. Um ultrapassa a inimizade que vive junta. Outro vive da amizade fácil, mas que se se aproximar pode não ser amor. Por isso era tão fácil sentir.
Amar é apesar. Ë através. Ë a despeito, mas é com. Amar, às vezes, é contra, mas perto e fundo. Mesmo de costas. Ë malgrado. É com ferida e cicatriz, mas íntegro.
Amar fundo é ter medo de virar de frente. Porque aí pode surgir, cristalina, a possibilidade de dar certo. E a entrega. Que é, no fundo, o que mais teme quem ama.
2) GOSTAR DO FILHO
Gostar do filho é saber-se ridículo no meio da mais completa grandeza. Ë ser piegas tanto quanto profundo e conviver com o que se soube economizar do emprego com o patrão vida. E descobrir-se mudando a cada dia, um reviver aprendido.
Gostar do filho é perceber-se nada ante seu olhar implacável e sentir-se tudo ante sua dependência. E babar retratinhos, depois de tê-los desdenhado nos outros. É voltar a parques e circos sem precisar de desculpas, e fingindo que reclama do “trabalhão que eles dão”. Gostar do filho é reencontrar medos antigos que ficaram sepultados na personalidade adulta. E aprender a calar pois chegará o momento de dizer (nem sempre é na mesma hora). Gostar do filho é sobretudo saber “não saber”. Ou testar o que sabe, com modéstia e humildade.
E incorporar o que não sabe sem inveja. É usar o que sabe com prudência. É reformular a cada dia. É confirmar a cada instante. É tanto conhecer o que muda, como o que não muda, e saber distinguir os dois na hora certa.
Gostar do filho é sentir seu crescimento. Acompanhar seios, barbas, hormônios, fala, baba, cheiros, pêlos, palavras, letras, cadernos calças, espasmos, choros, medos, surfe, pelada, boneca, sexo, piriri, espanto, esbarro, radiografia, namorada, astronomia, mesada, mulher, homem, tudo acompanhar no mais altruísta dos egoísmos.
Gostar do filho é permitir-lhe o vôo, no máximo ensinando-o a distinguir ninho de arapuca. É amar a liberdade, mas ter medo da dele, permitindo-a. Gostar do filho é desaprender a dormir para poder dormir em paz. É aprender a renunciar e a agüentar. É redescobrir agasalhos, natais, escadas rolantes, selos, caixas de fósforo, botão, prancha ou vestidinho. É conviver, roçar a pele, ficar todo mole quando ganha um .abraço espontâneo depois de ter rejeitado tantos outros lá fora. E ser cego e clarividente. Profeta e embotado. Sábio e burraldo. Valente e covarde. Bobão e frio. Inseguro e protetor.
Guru e guri. E mudar a cada dia. Fundo, e contemplar os próprios limites com mais tolerância porque alguém salvará a espécie. É virar lobo, tigre, jumento ou colibri, palhaço, mago ou Kung-Fu, Gordo e Magro ou Flash Gordon.
Mas gostar do filho é sobretudo saber esperar. Não ter a pressa de aceitações, entendimentos e devoluções à vista. E saber conquistar pelo menos uma lembrança compreensiva, não importa quando venha, no fim dos tempos ou depois de amanhã.
Saber esperar as quatro estações cuidando as podas, regas, adubos, como quem cumpre um ritual, se possível cantando as canções da colheita, as que trazem a messe e a esperança do fruto. Que virá. Carregado de sementes.
3) O JOVEM E A NITIDEZ
Doloroso para filho ou filha, cedo ou tarde defrontar-se com as limitações da imagem do pai ou da mãe. E há que aceitar o que já lhe é convicção: a de que o pai tem falhas. Na juventude ou infância, as falhas dos pais, quando constatadas, parecem defeitos irremediáveis. Soam a perda irreparável.
É tal a necessidade de nitidez e inteireza na juventude, que a simples constatação de falhas parece comprometer o todo. Para o jovem, a falha do pai não é falha. O pai inteiro é que não presta. A juventude precisa da integralidade e da incondicionalidade. Sua generosidade. natural não aceita injunções e matizes.
Diante da constatação da falha paterna ou do traço menor e pouco desenvolvido no todo da personalidade de pai ou mãe, o jovem se desestrutura interiormente (embora nem sempre o revele). Sente-se sem base, enganado, decepcionado. Parte para a rebeldia, cinismo ou o conformismo, três formas de reagir em vez de agir. Reagir é reflexo. Agir é livre.
Mas até constatar, efetivamente, as falhas dos pais a tendência é rechaçar, com enrgia, qualquer sugestão, indício ou evidência das mesmas. O jovm fica a se repetir que “não e não”, que “não pode ser”, “é mentira”, pai e a mãe são as “melhores figuras do mundo”. Ai de quem lhes ressaltar o que não quer ver por dificuldade afetiva de aceitar, vale dizer, briga consigo mesmo através de quem lhe diz a verdade que não pode admitir porque, no fundo, já a anteviu.
4) ORAÇÃO DO PAI CONTEMPORÂNEO
Dai-me, Deus, a luz da Inspiração. Quero educar meus filhos para a ternura, a tolerância e a compreensão do próximo. Assim tenho feito. Mas por que os ternos e os doces acabam tão raros, estranhos, quase marginais, sem chance de fazer ou criar, na dura competição da vida?
Se os educar na linha da dureza e exigência, formarei homens eficazes, atletas do saber e do fazer, padrões de êxito externo, brilho e posição. Mas os que conheço assim, sinceramente, são felizes? Como, se trocaram suas pessoas pelo papel que desempenham?
Às vezes, Pai, penso em não interferir. Deixar o que há neles de seu, de atávico, herelitário e intransferível ir ensinando. Mas venho de um tempo em que ficou moda deixar a criança entregue a si mesma “para não frustrar”. Vi esses meninos “sem frustração”, crescidos, afundando-se na desagregação, berrando solidão e o “me protege, pai”, “me protege, mãe” disfarçados em agressividade, autodestruição e negação sem afirmação compensatória.
Será que a educação de meus pais, aquela durona, do “não pode”, “não deve”, “é pecado”, “eu não quero”, “você vai ser igual a mim”, “vai seguir minha carreira”, será esta a certa? Mas quantos, Senhor, vindos dela, vi resvalar na vala da amargura, vida não vivida, revolta sem remédio?
Gostaria de só falar-lhes do amor possível, a importância do sentimento do outro, capacidade de ver e sentir o próximo, como aprendi nos livros, com os mestres e sempre tentei, talvez sem conseguir. Não estarei, assim, porém, formando um puro, mais um otário neste mundo de rapina?
Posso acentuar-lhes o senso de justiça inato. Mas não estarei
formando algum suicida?
Posso ensinar-lhes mil regras do bom senso, capacidade de compreender e ajustar-se. Mas ao formar “ajustados” não estarei criando apenas mais um na multidão de concordâncias cômodas?
E se os envio ao analista? Não estarei preparando especialistas
em dúvidas? Gente que compreende demais, a tudo e todos e não
age nunca?
Quem sabe, Pai, limito-me a passar-lhes apenas os meus valores de vida, que herdei de meus pais e os que colhi sofrendo sozinho? Valerão, num mundo que muda a cada dez anos mais do que em todos os anteriores?
Se lhes digo o que penso, invado sua liberdade. Se nada lhes falo, peco por omissão. Se discuto, acabo impondo. Se imponho, esmago. Se calo, consinto. Se consinto, acabo perdendo-os e isso não saberei suportar..
Se lhes exijo estudo, sei que vou formar quem, amanhã, pode me perguntar por que tanta ciência se a vida natural é mais saudável. Se os tiro do colégio, serei responsável por uma ignorância perigosa, amanhã.
Dai-me, Senhor, a luz de um caminho, uma honesta opção para quem, como eu, sabe do mundo, conhece-lhe as esperanças, grandezas e também as curvas da emboscada, alguém que aspira ao absoluto e aos valores nos quais, teimoso, não deixou de crer. Sou homem aberto ao mundo e ao novo, disposto a examinar a vida sempre vendo todos os seus lados. É mais fácil escolher um dos caminhos, negando os demais.
Mas é exatamente por isso que o homem vive em guerra…
Ajudai-me, Pai, a descobrir e aceitar que muito ajuda quem deixa florescer, sem tanto intervir.
5) SER JOVEM
Ser jovem é não perder o encanto e o susto de qualquer espera. É sobretudo não ficar fixado nos padrões da própria formação. Ser jovem é ter abertura para o novo, na mesma medida do respeito ao imutável.
E acreditar um pouco na imortalidade em vida e querer a festa, o jogo, a brincadeira, a lua, o impossível, o distante. Ser jovem é ser bêbado de infinitos que terminam logo ali. Só pensar na morte de vez em quando. É não saber de nada e poder tudo.
Ser jovem é acordar, pelo menos de vez em quando, assobiando uma canção antes mesmo de escovar os dentes. Ser jovem é não dar bola para o síndico mas reconhecer que ele está na sua. É achar graça do riso, ter pena dos tristes e ficar ao lado das crianças.
Ser jovem é estar sempre aprendendo inglês, é gostar de cor, xarope, gengibirra e pastel de padaria. Ser jovem é não ter azia, é gostar de dormir e crer na mudança; é meter o dedo no bolo e lamber o glacê.
É cantar fora do tom, mastigar depressa e engolir devagar a fala do avô. É gostar de barca da Cantareira, carro velho e roupa sem amargura. É bater papo com a baiana, curtir o ônibus e detestar meia marrom.
Ser jovem é beber chuvas, ter estranhas, súbitas e inexplicáveis atrações. É temer o testemunho, detestar os solenes, duvidar das palavras. Ser jovem é não acreditar no que está pensando, exceto se o pensamento permanecer depois. É saber sorrir e alimentar secretas simpatias pelos crentes que cantam nas praças em semi- círculo, Bíblia na mão, sonho no coração.
É gostar de ler e tentar silêncios quase impossíveis. É acreditar no dia novo como obra de Deus. É ser metafísica sem ter metafísica. É curtir trem, alface fresquinha, cheiro de hortelã. É gostar de talco. Ser jovem é ter ódio de cachimbo, de bala jujuba, de manipulação, e ser usado.
Ser jovem é ser o único capaz de compreender a tia, de entender o reclamo da empregada e apoiar seu atraso. Ser jovem é continuar gostando de deitar na grama. É gostar de beijo, de pele, de olho. Ser jovem é não perder o hábito de se encabular. É ir para ser apresentado (“Já conhece fulano?”) morrendo de medo.
Ser jovem é permanecer descobrindo. É querer ir à lua ou conhecer Finlândias, Escócias e praias adivinhadas. É sentir cheiros raríssimos: cheiro de férias, de mãe chegando em casa em dia de chuva, cheiro de festa, aipim, camisa nova, marcenaria ou toalha do clube.
Ser jovem é andar confiante como quem salta, se possível de mãos dadas com o ar. É ter coragem de nascer a cada dia e embrulhar as fossas no celofane do não faz mal. É acreditar em frases, pessoas, mitos, forças, sons, é crer no que não vale a pena mas ai da vida se assim não fosse.
É descobrir um belo que não conta. É recear as revelações e ir para casa com o gosto do silêncio amargo ou agridoce.
Ser jovem é ter a capacidade do perdão e andar com os olhos cheios de capim cheiroso. É ter tédios passageiros, amar a vida, ter pronta a palavra de compreensão. Ser jovem é lembrar pouco da infância por não precisar fazê-lo para suportar a vida.
Ser jovem é ser capaz de anestesias salvadoras.
Ser jovem é misturar tudo isso com a idade real, trinta, quarenta, cinqüenta, sessenta, setenta ou dezenove. É sempre abrir a porta com emoção. É esperar dos outros o que ainda não desistiu de querer. Ser jovem é viver em estado de fundo musical de super- produção da Metro. É abraçar esquinas, mundos, espaços, luzes, flores, livros, discos, cachorros e a menininha, com um profundo, aberto e incomensurável abraço feito de festa, cocada preta, dentes brancos e dedos tímidos, todos prontos para os desencontros da vida e com profunda e permanente vontade de SER.
6) SER TIMIDO
O que é, para você, ser tímido? Ficar num canto, medão dos outros, calado, mordido por si próprio, incapaz de gesto ou palavra? Não. Isso é ser inibido.
Ser tímido é ter o gosto da multidão e temê-la. Ser tímido é ficar com vergonha pelo outro. Ë saber que pode duvidar de tudo.
Ser tímido é preferir calar sabendo o que falar. É não entrar nas disputas, cortado por elas, por dentro. É ficar mais do lado do garçom que do próprio e construir só na imaginação tudo que tem de melhor. E não se expor nunca, babau para as eficiências ou glórias.
Ser tímido é esperar que o descubram. É invejar sem inveja. É ser capaz de se emocionar com certos poucos que a sensibilidade escolhe e sabe de onde vêm, nas poucas vezes em que chegam.
E se querer primeiro e se esperar por último. É zangar com as próprias raivas e duvidar sem temor. Ser tímido é ter um orgulho! E curtir até com soberba emoções de somenos para os outros, e ser humilde naquilo de que os demais se orgulham.
Ser tímido é manter o espanto do olhar de qualquer criança frente ao estranho. Ou abrir os braços para ele sem saber por quê. É estragar as defesas todas pelo sorriso. E temer a quem ama e detes tar a quem teme. Ser tímido é querer a gravata borboleta que nunca usará. É encontrar calor nas derrotas e temer ganhar, pelos outros. Ser tímido é sentir alegria no que não dá resultado e enfadar-se com as vitórias. É esperar algo que não se sabe, mas se aguarda com fé.
Ser tímido é trabalhar no que não dá e gastar o tempo por um critério muito pessoal e impossível de explicar às pessoas práticas. Ser tímido é ficar sempre do lado de fora da vitrina.
É gastar pérolas ou suéteres onde não deve. É ser provisório. É poder ter brinquedos emprestados. É permanecer gostando.
Ser tímido é entender cães e crianças. Pode ser falar muito. Pode ser até brilhante. Pode ser luzir. Mas sem raiva, senão de si mesmo, por ofuscar os outros. O tímido é o rei do sentimento do outro no lugar do próprio. É um doente do melhor de si mesmo.
Ser verdadeiramente tímido é nunca saber o impreciso limite entre timidez e fraqueze. É ser tolerante com ambos. É ser duro como pedra consigo mesmo e sentir-se responsável não pelo cartão do ponto, mas pela sensibilidade dos demais.
Ser tímido é poder querer. É fazer sem que saibam, mas ter necessidade de que saibam. Ser tímido é ser temeroso da própria vaidade, é querer entrar na festa, eterno penetra da alegria alheia porque a sua é secreta.
Ser tímido é rir para, em vez de rir de. Ser tímido é procurar saber, é querer a justiça, é esperar que os outros reconheçam. É situar tudo no plano do afoito ou do afeto, mesmo quando não existem. Ser tímido é transformar-se em flores. É manter a pão e água o que não se dobrou. O que resiste. O que não se entrega. O que é mais forte até do que o desejo de não ser tímido. É ficar de longe, intenso, mas imperceptível.
Ser tímido é emocionar-se demais e pairar olímpico. É ter recato pelo que não pode e não diz, não fala e resiste. Ser tímido é viver convalescendo de si mesmo, ontem. Mas igual amanhã, arre!
É ter perdido a visão heróica de si mesmo e sentir-se muito melhor, embora julgasse que ia ser insuportável.
Ser tímido é esperar que o sintam, sabendo-o impossível mas sabendo-se possível.
É voltar para casa numa solidão de luas e cães. Ser tímido é manter viva a criança, rolar pelo chão com a vida que não teve, feliz porque ela se prolongou na fantasia.
É levar a vida que teve dentro da pasta, disponível. Ser tímido é saber mais do que faz. É ficar feliz quando pontas do que é e sente são percebidas de graça. Num ato, gesto, olhar ou bofetada. Ser tímido é gostar de chuva. E rezar. É ter saudade do pai. Ser tímido é ser rei, na madrugada de seu reinado escondido e deslumbrante.
7) O CÃO E OS AVÓS
Quem não sofreu na infância por um cão? No simples episódio de a carrocinha içar o cachorro revela-se o mundo de autoritarismo dos sistemas e dos pais, para quem talvez tudo seja bobagem de criança. O estado açambarca o animal. O pai não dá a devida atenção. A criança vai à febre e ao desmak.
A “bobagem” é séria como tudo o que sente e fala a criança. A “bobagem” é a verdade de uma forma de amor que nunca mais se terá ou voltará, se não for compreendida na hora e medida certas. A “bobagem” é a necessidade de se relacionar, em profundidade com o melhor de si mesmo expresso no amor a animal, planta, pessoa, brinquedo ou amigo, reais ou imaginários.
A gradação do valor é sempre dos adultos ou das formas dominantes de poder e comportamento. A realidade — porém — não é assim. Um brinquedo ou um cão para o menino; o cavalo para o lavrador; a demonstração de amizade e afeto para o carente, o gesto para o deprimido, são tão importantes quanto os magnos problemas de uma nação para o estadista.
Na criança correndo atrás do seu cão está a essência do sentimento que faz o mistério. Os pais quase nunca o captam. Sim os avós. Estes já viveram e perderam certa ilusão “educativa” que ilude os pais em sua ansiedade “formadora”. Avós e crianças — em pacto — redescobrem o universo da infância em plenitude e saudade. Os avós e os netos, só eles sabem a utilidade de um cão inútil.
8) TRISTEZA É BOM?
Não, criança, não confunda tristeza com infelicidade. Infelicidade é sempre ruim. Tristeza às vezes é bom. Atenção, eu não disse que tristeza às vezes é boa. Eu disse é bom. Tristeza é ruim, mas algumas deixam gosto bom. Há momentos em que é bom a tristeza. Quando? Cada um sabe. Não há regra nem literatice para explicar.
Para mim?
Ah, para mim tristeza é bom quando não definida, só tem a força de uma pilha e vem sem um objeto claro a mostrar o que dói. Ê bom, por exemplo, quando sabemos que aquela paz amanhã já passou e a saudade futura começa a bater. Sabemos que depois tudo voltará a como era antes e, mesmo assim, já não seremos os mesmos.
Nossos núcleos neuróticos nos fazem assumir compromissos errados, difíceis de desfazer. Eles entram na vida, no trabalho, na casa, nos parentes, nas amizades. Fica impossível rompê-los sem sentimento de perda. Ou de irresponsabilidade.
Nos hiatos de paz, quando nos elevamos, sentimos o que teríamos sido. Vemos o que poderíamos ter feito. Nesses raros momentos de intuição e clarividência, se instala a saudade futura, saudade do que seríamos e faríamos. É a saudade do que virá, infelizmente tão marcada pelo que veio e deixou cicatrizes.
Tristeza é bom quando não dá para dizer à criança tudo o que dela aprendemos. Tristeza é bom quando a festa acabou e só então percebemos estar exaustos, com o gosto de “ter feito” na boca e n’alma.
Tristeza é bom quando curtimos a migalha de atenção de quem consideramos inconquistável, distante como as pedras do Egito. Tristeza é bom quando não nos entenderam, mas sabemos que adiante será mais fácil. Tristeza é bom quando compreendemos a incompreensão.
Tristeza é bom quando nos pega de surpresa, nós da cidade, vividos e vivaldinos, um belo dia largados de Heidegger e aturdidos pelo balão de gás, a bandinha do interior ou a impossibilidade morena de quem não sabe o quanto é bela e tem medo da gente.
Tristeza é bom quando somos rápidos e por isso gostam de nós. Quando apenas deixamos breve perfume de como seríamos, se fôssemos como nos imaginam.
Tristeza é bom quando contemplamos bodas de ouro, raras, felizes, mas existentes.
Tristeza é bom quando ganhamos café com leite em xícara grande, aquela da fazenda da infância que nunca voltou porque tia Ritinha morreu.
Tristeza é bom quando é xale, cadeira de balanço, parreira! ou dedicatória. Tristeza é bom quando a mulher perdoa e nos descobre decentes no meio de tanta confusão de convivência.
Tristeza é bom quando vem em forma de cantiga de ninar que esqueceram; quando revela o momento dos gênios que o tempo gravou. Tristeza é bom quando o salário vai todo de uma vez. É bom quando deixamos de fazer o que queríamos e alguém fica cor’t’nte com isso. Tristeza é bom nas raras vezes em que somos realmente bons.
Tristeza é bom no piquenique boboca que um dia voltou. É bom no passeio de barca, no olhar subitamente compreendido, é bom quando o abandono está só dentro de nós e não no ato que consideramos ingrato.
Olha, criança, tristeza é bom quando você fica com esse olho arregalado acreditando em tudo isso que vou dizendo com a mesma “insinceridade” de qualquer “fingidor” .
9) A VIDA ENSINA
Se você pensa que sabe; que a vida lhe mostre o quanto não sabe.
Se você é muito simpático mas leva meia hora para concluir seu pensamento;
que a vida lhe ensine que explica melhor o seu problema, aquele que começa pelo fim.
Se você faz exames demais; que a vida lhe ensine que doença é como esposa ciumenta: se procurar demais, acaba achando. Se você pensa que os outros é que sempre são isso ou aquilo; que a vida lhe ensine a olhar mais para você mesmo.
Se você pensa que viver é horizontal, unitário, definido, monobloco; que a vida lhe ensine a aceitar o conflito como condição lúdica da existência.Tanto mais lúdica quanto mais complexa.
Tanto mais complexa quanto mais consciente.Tanto mais consciente quanto mais difícil.
Tanto mais difícil quanto mais grandiosa. Se você pensa que disponibilidade com paz
não é felicidade; que a vida lhe ensine a aproveitar os raros momentos em que ela (a paz) surge.
Que a vida ensine a cada menino a seguir o cristal que leva dentro, sua bússola existencial não revelada, sua percepção não verbalizável das coisas, sua capacidade de prosseguir com o que lhe é peculiar e próprio, por mais que pareçam úteis e eficazes as coisas que a ele, no fundo, não soam como tais, embora façam aparente sentido e se apresentem tão sedutoras quanto enganosas. Que a vida nos ensine, a todos, a nunca
dizer as verdades na hora da raiva.
Que desta aproveitemos apenas a forma direta e lúcida pela qual as verdades se nos revelam por seu intermédio; mas para dizê-las depois. Que a vida ensine que tão ou mais difícil do que ter razão, é saber tê-la. Que aquele garoto que não come, coma.
Que aquele que mata, não mate. Que aquela timidez do pobre passe.
Que a moça esforçada se forme. Que o jovem jovie.
Que o velho velhe. Que a moça moce.Que a luz luza. Que a paz paze.
Que o som soe.Que a mãe manhe. Que o pai paie. Que o sol sole. Que o filho filhe.Que a árvore arvore.
Que o ninho aninhe. Que o mar mare. Que a cor core.Que o abraço abrace.Que o perdão perdoe.
Que tudo vire verbo e verbe. Verde. Como a esperança. Pois, do jeito que o mundo vai,
dá vontade de apagar e começar tudo de novo. A vida é substantiva, nós é que somos adjetivos.
10) DE OLHOS FECHADOS
Há centenas de situações na vida, momentos de espera, uma viagem, uma sesta, enfim, vários, em que podendo fechar os olhos, não o fazemos. E entretanto é uma maravilha.
Aprendi por mim mesmo a ter dois comportamentos de olhos fechados. Um é o da meditação: deixo fluir o que me vem à mente, sem exercer qualquer controle racional ou pensamento dirigido. O que a mente fizer jorrar como uma fonte de água, é aceito sem censura. Nada de dirigir o pensamento para algo, um problema, uma recordação. A mente em seu fluir errático é que comanda. Às vezes o fluxo começa desordenado e caótico mas com uns dez minutos, tudo vai se ajeitando e a gente pode ou não até entrar no sono fisiológico. O descanso que se segue é inimaginável. No caso de entrar no sono fisiológico, isto é, dormir um pouco ou cochilar, basta um minuto de desligamento total para que um fluxo de energia nos invada, prazenteiro. Mas se não cochilar, tudo bem. O fato de os pensamentos dimanarem livremente tem um potencial enorme de descanso e pacificação. E muitas vezes sem que se tenha fechado os olhos com essa finalidade, aparece magicamente a solução para algo que inquietava ou espoca, naturalmente e sem esforço, uma boa idéia. É formidável.
O outro comportamento que aprendi por mim mesmo, de olhos fechados é o do transporte e da sintonia. Aqui, em vez de deixar o pensamento fluir venha como vier, eu cenarizo, sim, faço um cenário imaginário, fixo-o bem na memória, com detalhes, e ali entram coisas, lugares e pessoas reais, vivas ou mortas. Ou então busco uma sintonia com o que me parece ser uma corrente de sintonia proveniente de espíritos de muita luz. E faço, sim, algum esforço de concentração para entrar em sintonia com aquela vida, seja atual ou remota. Por exemplo: certa vez, entrei, numa suave manhã de outono em uma Igreja pequena que existe numa ladeira de Santa Tereza. Ninguém lá. A paz era tanta que jamais me esqueci do fato. Pois de olhos fechados volta e meia retorno à Igreja e lá coloco mentalmente quem desejo, rezamos juntos ou pura e simplesmente apreciamos a paz. Tento reter e ampliar a sensação lá sentida. Retenho. E amplio. E como nesta experiência, repito muitas outras de minha vida. Por exemplo: amei, emocionado, a cidade de Bruges, na Bélgica. Pois para lá me transporto mentalmente, levo quem quero, vivo ou morto e faço um certo esforço (relativo) de recordar ruas passagens, aquele rio, algumas árvores inesquecíveis, converso com as pessoas ou a pessoa a quem levei e ambos vibram em uníssono com um sentimento comum que é mais um assentimento que outra coisa.
Cito esses poucos exemplos mas possuo dezenas de cenários para onde me transporto de olhos fechados e vivencio tão fortemente que ao voltar para este mundo real chego a sentir pena de interromper a viagem. Terrível é quando chega alguém e interrompe tudo falando comigo ou se sai para a pior das brincadeiras para quem medita: “Acorda, isso não é hora de dormir”. Outro campo maravilhoso para os olhos fechados é a música. Não duvidem. Ouvir música de olhos fechados, deixando o pensamento livre é uma das maiores felicidades da vida.
E felicidade não é para quem quer. É para quem pode…
11) LIÇÃO MILENAR DE VIDA
Vocês me permitem um conselho? Não é de meu hábito fazê-lo. Um cronista é um pensador modesto, um filósofo de esquina e não um conselheiro. Observo que estão em grande auge os livros de auto-ajuda, uma infinidade de autores com instruções para tudo de como respirar até como transformar unha encravada em meditação zen…
Meu conselho é o seguinte: ler um livro escrito por volta do ano 64 depois de Cristo, em pleno império Romano, ao tempo logo de quem, do maluco do Nero por um autor que frequënto desde a juventude e não me canso de ler: Sêneca. Chamava-se Lucio Anneo Sêneca e andou envolvido em intrigas de figuras como Calígula e a famosa Messalina por causa de quem, aliás, exilou-se na Córsega.
Era um sábio desses que retiram a sua visão do mundo do dia a dia da vida, por inteligência e autodidatismo, embora Sêneca tenha sido estudioso das idéias de Pitágoras e também dos estóicos. Ocorre que uma editora brasileira Landy ( landy@landy.com.br ), em ótima tradução de Renata Maria Parreira Cordeiro, publicou por esses dias um livro a que deu o nome de As Relações Humanas. Fala sobre a amizade, os livros, a filosofia, o sábio e a atitude perante a morte.
Esses escritores e pensadores romanos, inclusive alguns imperadores não cretinizados,, como Marco Aurélio, por exemplo, deixaram observações de absoluta pertinência milênios depois. Até hoje atuais, a mostrar que a humanidade mudou pouco no que tange à sabedoria e ao comportamento. Aliás, quem ler a obra prima que é Memórias de Adriano de Marguerite Yourcenar, perceberá o quanto são profundas e milagrosas a sensibilidade e a inteligência, em tempos de absolutismo e de poderes ilimitados nas mãos de uma só pessoa. É que as formas de poder esmagador mudaram com os tempos. Não mudou o esmagamento e o uso da força disfarçada. Hoje são imperadores e imperatrizes disfarçados a ciência, a tecnologia, o marketing, os meios de comunicação de massas. O mesmo homem massa, estulto e incapaz de vislumbrar o interior das coisas e pessoas, constituía a massa de manobra daqueles imperadores muitos dos quais malucos (no caso de Sêneca o doido do Nero fê-lo suicidar-se), o mesmo homem massa, eu dizia, existe até hoje.
E nessa fase ansiosa de auto-conhecimento, de técnicas interessantes de psicanálise e outras úteis terapêuticas, de superficialização das religiões que trocam o igrejismo pela teologia, de busca desordenada da sabedoria oriental, de cursos, não custa ocupar um pouco do seu tempo com a leitura de matéria sábia, que não é propriamente conselheira (embora ele a tenha escrito para um sobrinho mas dizia que escrevia também para si mesmo). Nessa fase de tanta procura e angústia, vale a pena ler o pensamento de um observador da vida como Sêneca, quase dois mil, anos depois. É leitura totalmente diferente desses manuais em moda de auto-ajuda mas repleta de experiência de vida e sabedoria. E o livro é de leitura rápida, fácil e deliciosa. O homem, ademais, era ótimo escritor. Fica o conselho. Meus cabelos brancos o autorizam.
12) O CORAÇÃO MANDA NO CÉREBRO?
Há tempos escrevi, aqui, um artigo sobre o quanto é fascinante a inteligência humana. Falei sobre o óbvio, afinal, filósofos do óbvio somos nós, modestos cronistas… Eis que outro dia reencontrei uma carta, de querida colega de colégio primário, Clarisse de Oliveira, amiga, portanto, há mais de meio século!…Ela me revela o quanto o coração, desde os egípcios antigos, mais que o cérebro, aparece como o órgão do equilíbrio emocional necessário ao verdadeiro exercício de lucidez e da inteligência. Deixemo-la falar. Diz Clarice, claríssima, como seu belo nome.
“Meu bom Távola”:
– “No teu mais que magnífico artigo “A Inteligência”, destaco o trecho: “é necessário possuir equilíbrio emocional para fazer da inteligência um instrumento da verdade, e da compreensão e não de poder”. E acrescento:
A inteligência é o cérebro macio da estrutura existencial. Quando os egípcios colocavam o coração como órgão principal do ser humano na captação da sabedoria e da espiritualidade, não estariam eles pondo essas coisas além do raciocínio?
Seria o cérebro desprezado por ser racional e nele não caber a sabedoria e o vínculo para a espiritualidade?
De todos os órgãos extraídos da múmia – ou do candidato a múmia – só o coração era substituído. Conforme as posses da “múmia”, a substituição era feita por uma pedra de grande ou pequeno valor.
Parece que o raciocínio era manifesto por equilíbrio emocional. Do equilíbrio emocional, sim, vinha a Luz. A Luz, que poderia ser Maat (A Verdade) se espalhava sobre a vida, filtrando-se através da maciez do cérebro.
O coração, portanto, mandava no cérebro.
Não um coração emotivo, de primitivismo descontrolado, como o das mulheres apaixonadas. Mas sim o órgão capaz de dar ao homem a Luz e a Verdade.
Como puderam eleger “um controlador da circulação” o órgão da Sabedoria? Talvez porque sentissem a alteração circulatória do homem nas etapas que ele atravessava para a iluminação, guiado pelo Sacerdote. Conheço tantas inteligências à espera de cultura e sabedoria…”
Conclusão minha: seja no cérebro, seja no coração, minha amiga Clarisse é muito inteligente. Talvez o cérebro sirva apenas para ordenar e verbalizar o que o coração copia, sabe, sente, prevê, elabora, adivinha, perscruta. E salve o coração, sede da inteligência….
13) TER OU NÃO TER NAMORADO
Quem não tem namorado é alguém que tirou férias não remuneradas de si mesmo.
Namorado é a mais difícil das conquistas.
Difícil porque namorado de verdade é muito raro. Necessita de adivinhação, de pele, saliva, lágrima, nuvem, quindim, brisa ou filosofia. Paquera, gabiru, flerte, caso, transa, envolvimento, até paixão, é fácil.
Mas namorado, mesmo, é muito difícil. Namorado não precisa ser o mais bonito, mas ser aquele a quem se quer proteger e quando se chega ao lado dele a gente treme, sua frio e quase desmaia pedindo proteção. A proteção não precisa ser parruda, decidida; ou bandoleira basta um olhar de compreensão ou mesmo de aflição.
Quem não tem namorado é quem não tem amor é quem não sabe o gosto de namorar. Há quem não sabe o gosto de namorar. Se você tem três pretendentes, dois paqueras, um envolvimento e dois amantes; mesmo assim pode não ter nenhum namorado.
Não tem namorado quem não sabe o gosto de chuva, cinema sessão das duas, medo do pai, sanduíche de padaria ou drible no trabalho.
Não tem namorado quem transa sem carinho, quem se acaricia sem vontade de virar sorvete ou lagartixa e quem ama sem alegria.
Não tem namorado quem faz pacto de amor apenas com a infelicidade. Namorar é fazer pactos com a felicidade ainda que rápida, escondida, fugidia ou impossível de durar.
Não tem namorado quem não sabe o valor de mãos dadas; de carinho escondido na hora em que passa o filme; de flor catada no muro e entregue de repente; de poesia de Fernando Pessoa, Vinícius de Moraes ou Chico Buarque lida bem devagar; de gargalhada quando fala junto ou descobre meia rasgada; de ânsia enorme de viajar junto para a Escócia ou mesmo de metrô, bonde, nuvem, cavalo alado, tapete mágico ou foguete interplanetário.
Não tem namorado quem não gosta de dormir agarrado, de fazer cesta abraçado, fazer compra junto.
Não tem namorado quem não gosta de falar do próprio amor, nem de ficar horas e horas olhando o mistério do outro dentro dos olhos dele, abobalhados de alegria pela lucidez do amor.
Não tem namorado quem não redescobre a criança própria e a do amado e sai com ela para parques, fliperamas, beira – d’água, show do Milton Nascimento, bosques enluarados, ruas de sonhos ou musical da Metro.
Não tem namorado quem não tem música secreta com ele, quem não dedica livros, quem não recorta artigos; quem gosta sem curtir; quem curte sem aprofundar.
Não tem namorado quem nunca sentiu o gosto de ser lembrado de repente no fim de semana, na madrugada, ou meio-dia do dia de sol em plena praia cheia de rivais.
Não tem namorado quem ama sem se dedicar; quem namora sem brincar; quem vive cheio de obrigações; quem faz sexo sem esperar o outro ir junto com ele.
Não tem namorado quem confunde solidão com ficar sozinho e em paz.
Não tem namorado quem não fala sozinho, não ri de si mesmo e quem tem medo de ser afetivo.
Se você não tem namorado porque não descobriu que o amor é alegre e você vive pesando duzentos quilos de grilos e medos, ponha a saia mais leve, aquela de chita e passeie de mãos dadas com o ar. Enfeite-se com margaridas e ternuras e escove a alma com leves fricções de esperança. De alma escovada e coração estouvado, saia do quintal de si mesmo e descubra o próprio jardim.
Acorde com gosto de caqui e sorria lírios para quem passe debaixo de sua janela. Ponha intenções de quermesse em seus olhos e beba licor de contos de fada. Ande como se o chão estivesse repleto de sons de flauta e do céu descesse uma névoa de borboletas, cada qual trazendo uma pérola falante a dizer frases sutis e palavras de galanteria.
Se você não tem namorado é porque ainda não enlouqueceu aquele pouquinho necessário a fazer a vida parar e de repente parecer que faz sentido. ENLOU-CRESÇA.
14) QUEM É AMIGO?
Amigo é quem, conhecido ou não, vivo ou morto, nos faz pensar, agir ou nos comportarmos no melhor de nós mesmos. É quem potencializa esse material. Não digo que laboremos sempre no pior de nós mesmos (algumas pessoas, sim), mas nem sempre podemos ser integrais para operar no melhor de nós. Há que contar com algum elemento propiciador, uma afinidade, empatia, amor, um pouco de tudo isso. E, sempre que agimos no melhor de nós mesmos, melhoramos, é a mais terapêutica das atitudes, a mais catártica e a mais recompensadora. Esta é a verdadeira amizade, a que transcende os encontros, os conhecimentos, o passado em comum, aventuras da juventude vividas junto. Um escritor ou compositor morto há mais de cem anos pode ser o seu maior amigo.
Esse conceito de amizade transcende aquele outro mais comum: o de que amigo é alguém com quem temos afinidade, alguma forma de amor não-sexual, alguém com quem podemos contar no infortúnio, na tristeza, pobreza, doença ou desconsolo. Claro que isso é também amizade, mas o sentido profundo desse sentimento desafiador chamado amizade é proveniente de pessoas, conhecidas ou não, distantes ou próximas, que nos levam ao melhor de nós. E o que é o melhor de nós? É algo que todos temos, em estado latente ou patente, desenvolvido ou atrofiado. Mas temos. E certas pessoas conseguem o milagre de potencializar esse melhor. Sentimos-nos, então, fundamente gratos e, de certa maneira, orgulhosos (no bom sentido da palavra) por podermos exercitar o que temos de melhor. Este melhor de nós contém sentimentos, palavras, talentos guardados, bondades exercidas, ou não.
Amar, ao contrário do que se pensa, não perturba a visão que se tem do outro. Ao contrário, aguça-a, aprofunda-a, aprimora-a. Faz-nos ver melhor. Também assim é a amizade, forma especial de amor, capaz de ampliar a lucidez e os modos generosos e compreensivos de ver, sentir, perceber o outro e, sobretudo -se possível- potencializar os seus melhores ângulos e sentimentos.
Somos todos seres carentes de sermos vistos e considerados pelo melhor de nós. A trivialidade, a superficialidade, as disputas inconscientes, a inveja, a onipotência, a doença da auto-referência faz a maioria das pessoas transformar-se em vítimas do próprio olhar restritivo. E o olhar restritivo é sempre fruto da projeção que fazem (fazemos) nos demais, de problemas e partes que são nossas e não queremos ver. E quantas vezes isso acontece entre pessoas que se dizem amigas. Essas pessoas (que se dizem amigas) ignoram certas descobertas do velho Dr. Freud e, através de chistes, passam o tempo a gozar o “amigo”, alardeando intimidade (onde às vezes há inveja) como prova de amizade. O que não é. Mesmo quando é… Caso se queira medir o tamanho de uma amizade, meça-se a capacidade de perceber, sentir e potencializar o melhor do outro, porque somente essa atitude fará dele uma pessoa cada vez melhor e, por isso, merecedora da amizade que lhe é dedicada.
15) TEXTO QUE GOSTARIA DE TER ESCRITO
Todas as pessoas que escrevem às vezes encontram um texto que as obriga a pensar ou a dizer: “- Puxa, este é o texto que gostaria de ter escrito e outro já o fez com maior precisão e brilho. Pois deu-se comigo nesta semana: Li na internet algo que me deu a vontade de ter escrito antes do autor que depois soube ser o Pastor Ricardo Gondim.
Não pense o meu editor que estou “matando” trabalho. Mas este definiu com precisão absoluta o que se passa com uma pessoa na minha idade e que já viu e viveu tanta coisa do chamado mundo externo, que o máximo que deseja é seguir no trabalho para o qual é vocacionado e na deslumbrante aventura do mundo interior. O texto de Ricardo Gondim chama-se “Tempo que Foge”” e diz o seguinte:
“Contei meus anos e descobri que terei menos tempo para viver daqui para frente do que já vivi até agora. Sinto-me como aquele menino que ganhou uma bacia de jabuticabas. As primeiras, ele chupou displicente, mas percebendo que faltam poucas, rói o caroço.
Já não tenho tempo para lidar com mediocridades.
Não quero estar em reuniões onde desfilam egos inflados. Não tolero gabolices.
Inquieto-me com invejosos tentando destruir quem eles admiram, cobiçando seus lugares, talentos e sorte. Já não tenho tempo para projetos megalomaníacos.
Não participarei de conferências que estabelecem prazos fixos para reverter a miséria do mundo. Não quero que me convidem para eventos de um fim de semana com a proposta de abalar o milênio. Já não tenho tempo para reuniões intermináveis para discutir estatutos, normas, procedimentos e regimentos internos.
Já não tenho tempo para administrar melindres de pessoas, que apesar da idade cronológica, são imaturas. Não quero ver os ponteiros do relógio avançando em reuniões de “confrontação”, onde “tiramos fatos à limpo”. Detesto fazer acareação de desafetos que brigaram pelo majestoso cargo de secretário do coral.
Lembrei-me agora de Mário de Andrade que afirmou: “as pessoas não debatem conteúdos, apenas os rótulos”. Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos.
Sem muitas jabuticabas na bacia, quero viver ao lado de gente humana, muito humana; que sabe aceitar tropeços, não se encanta com triunfos, não foge de sua mortalidade, defende a dignidade, exercita a espontânea sinceridade e deseja andar humildemente com Deus.
Caminhar perto delas nunca será perda de tempo.”
16) A ÂNSIA DE SER O QUE NÃO É
Toda pessoa aspira ser o que ainda não é, ou ter o que ainda não tem. Nas sociedades materiais, possuir bens e sair do sufoco terrível de ter que viver pensando na casa, na roupa, e na velhice, é uma das aspirações do homem médio.
Na sociedade de consumo, o índice de subida e de progresso pessoal é medido, pela capacidade de consumir. “É” mais, quem pode consumir mais. A variedade e diversificação da capacidade de consumir determina formas objetivas e subjetivas de valorização da pessoa.
Assim sendo, o mundo dos que consomem com fartura passa a ser um mundo invejado, aspirado, desejado, ansiado. Ele representa o nível de aspiração dos que estão abaixo na escala social, sobrevem um impulso saudável de “subir”. Mas também aumentam a cobiça e a inveja.
Cada pessoa sabe ter uma possibilidade de ascensão. A maioria conhece os limites dessa possibilidade. Muitos, porém, os desconhecem e passam a vida tentando atingi-lo. Alguns (raros) o conseguem e passam a coonestar a possibilidade de todos fazerem o mesmo, utopia que se ocorresse mudaria a sociedade, alterando as suas divisões e subdivisões sociais.
O hindu Baghwan Shree Rajneesh dizia que a grande fonte de aflições humanas é o tornar-se. O homem abandona o próprio ser e as disposições básicas de seu temperamento e vontade para tornar-se algo, ser alguém. Por isso sofre.
O tornar-se transforma (transtorna?) o indivíduo num eterno insatisfeito, num eterno buscador do que ainda não tem e nunca terá pois sempre quererá mais. O tornar-se é a fonte de todas as aflições do homem e das sociedades porque aos poucos passa a ser a razão da vida. Esta, deixa de ser a capacidade de viver o momento e o novo o que nele (momento) existe (e insiste), para ser uma eterna preparação para algo sempre além.
O tornar-se (substituindo a grandeza maior do Ser) constitui-se na causa principal da angústia contemporânea porque coloca objetivos sempre fora, sempre além, sempre adiante, impedindo o homem de viver o que se lhe é dado com a plenitude só possível a quem compreende que a eternidade é o instante que passa.
É difícil para a cabeça ocidental conceber essa atitude budista de repúdio ao tornar-se. Toda a dinâmica de qualquer dos sistemas do Ocidente, religiosos ou políticos, tem por base a necessidade de superação do homem; o permanente esforço para atingir patamares novos e mais altos. Nesse sentido, a ânsia por tornar-se seria a própria mola propulsora do progresso. Assim pensa o Ocidente.
A tese da sociedade de consumo, é, pois, esta: excitando o desejo de consumir, será obtido um consumo maior e assim crescerá a produção. Crescendo esta, haverá mais emprego, melhores salários e as pessoas realizarão esforços extraordinários em trabalho e estudo para obter uma valorização maior.
Esse esforço coletivo, impulsionado pelos desejos individuais, determinará o progresso e a gradual democratização da sociedade pelo equilíbrio natural das oportunidades, segundo os méritos e o valor (sempre diferentes) de cada pessoa. É verdade: mas a um alto preço existencial.
17) AMOR QUE NÃO COBRA
O amor quando maduro não é menor em intensidade. Ele é apenas silencioso.
Não é menor em extensão. É mais definido colorido e poetizado.
Não carece de demonstrações. Presenteia com a verdade do sentimento.
Não precisa de presenças exigidas.Amplia-se com as ausências significativas.
O amor maduro tem e quer problemas, sim, como tudo. Mas vive dos problemas da felicidade.
Problemas da felicidade são formas trabalhosas de construir o bem, o prazer.
Problemas da infelicidade não interessam ao amor maduro.
Na felicidade está o encontro de peles, o ficar com o gosto da boca e do cheiro do outro – está a compreensão antecipada, a adivinhação, o presente de valor interior, a emoção vivida em conjunto, os discursos silenciosos da percepção, o prazer de conviver, o equilíbrio entre carne e espírito.
O amor maduro é a valorização do melhor do outro e a relação com a parte salva de cada pessoa.Ele vive do que não morreu, mesmo tendo ficado para depois, vive do que jamais fermentou, criando dimensões novas para sentimentos antigos, jardins abandonados, cheios de sementes.Até o amor por Deus, amadurece quando se aprofunda e estende.
O amor, qualquer amor, quando maduro, não pede, tem.
Não reivindica, consegue.
Não percebe, recebe.
Não exige, oferece.
Não pergunta, adivinha.
Existe, para fazer feliz.
18) AQUELE AMOR EM SEGREDO
Percebo aonde vai. São três e vinte da tarde e o passo seguro, uma pressa sentida, óculos escuros, a calça comprida branca não é justa demais, mas suficiente para demonstrar resistências cárneas de seus 40 e poucos anos. Já sei aonde vai: encontrar-se com seu amor.
A mulher que tem um amor em segredo não é que se esconda, mas anda na rua como se não olhasse para os lados, com medo de que os lados olhem para ela. O passo é firme. Há uma pressa contida para não despertar desconfiança. Há sempre uma seriedade grave na mulher que vai encontrar o seu amor. Parece prever os crimes e dores embrulhados em toda verdadeira história de amor, ao lado das felicidades prometidas e do milagre da reciprocidade sensual. Ela parece zangada, mas tudo aquilo é defesa para a fragilidade e a consciência antecipada das conseqüências do amor. Sobretudo quando maduro.
Aquela mulher de quarenta e poucos anos, ainda bela e rígida, a carne alegre, os impasses vividos, é uma figura fascinante. Um casamento fracassado? Filhos adolescentes que muito lhe exigem de cuidado e atenção? Sua mãe idosa e sábia a desaconselhar-lhe a aventura? O medo de que o marido (será ela casada?) tudo descubra? E o flagrante? Toda essa tragédia doentia, verdadeira ou não, pulsa na mulher severa que vai célere ao encontro do homem amado ou desejado, em horas perdidas, migalhas de tempo que as horas esquecidas das tardes e a felicidade almejada lhe permite entre sobressaltos e sustos.
Percebo-lhe o fremir contido a pulso, mas taquicárdico, ao vê-la no passo decidido e no jeito discreto de caminhar seguro, indiferente aos transeuntes, porque a mulher apaixonada só sabe de seu amor. Ela é o monotema de tudo o que cala e não do que fala. O amor em segredo de mulher pulsa silencioso mas gritante por dentro de tudo o que faz e diz. Tem a mesma obsessão recôndita e irrevelada dos suicidas antes da consumação do ato. É um ser de susto e coragem notável.
É ela que vejo passar, com muitos rostos diferentes nas tardes esquecidas, o passo firme e ar de poucos amigos, como se a rua fosse uma demorada e inoportuna passagem, irritante e inacabável intervalo até o momento do encontro redentor. Sinto-lhe o latejar da alma e do sangue e torno-me admirador de sua decisão. Por certo ela deve ser bem mais corajosa do que o ser amado. Deve enfrentar decisões para ele impossíveis por causa da falta de coragem comum aos homens. Lá vai ela em seu passo vencedor de guerreira, disposta a tudo, até morrer, por uma hipótese de felicidade e a incerta impressão de que tudo pode acabar de repente.
19) ALMA DOS DIFERENTES
“.. Ah, o Diferente, esse ser especial!
Diferente não é quem pretenda ser. Esse é um imitador do que ainda não
foi imitado, nunca um ser diferente.
Diferente é quem foi dotado de alguns mais e de alguns menos em hora, momento e lugar errados para os outros. Que riem de inveja de não serem assim. E de medo de não agüentar, caso um dia venham, a ser. O diferente é um ser sempre mais próximo da perfeição.
O diferente nunca é um chato. Mas é sempre confundido por pessoas menos
sensíveis e avisadas. Supondo encontrar um chato onde está um diferente,
talentos são rechaçados; vitórias, adiadas; esperanças, mortas. Um diferente
medroso, este sim, acaba transformando-se num chato. Chato é um diferente
que não vingou.
Os diferentes muito inteligentes percebem porque os outros não os
entendem. Os diferentes raivosos acabam tendo razão sozinhos, contra o mundo
inteiro. Diferente que se preza entende o porque de quem o agride. Se o
diferente se mediocrizar, mergulhará no complexo de inferioridade.
O diferente paga sempre o preço de estar – mesmo sem querer – alterando
algo, ameaçando rebanhos, carneiros e pastores. O diferente suporta e digere
a ira do irremediavelmente igual: a inveja do comum; o ódio do mediano. O
verdadeiro diferente sabe que nunca tem razão, mas que está sempre certo.
O diferente começa a sofrer cedo, já no primário, onde os demais de mãos
dadas, e até mesmo alguns adultos por omissão, se unem para transformar o
que é peculiaridade e potencial em aleijão e caricatura. O que é percepção
aguçada em : “Puxa, fulano, como você é complicado”. O que é o embrião de um
estilo próprio em : “Você não está vendo como todo mundo faz? ”
O diferente carrega desde cedo apelidos e marcações os quais acaba
incorporando. Só os diferentes mais fortes do que o mundo se transformaram
( e se transformam) nos seus grandes modificadores.
Diferente é o que vê mais longe do que o consenso. O que sente antes mesmo
dos demais começarem a perceber. Diferente é o que se emociona enquanto
todos em torno agridem e gargalham. É o que engorda mais um pouco; chora
onde outros xingam; estuda onde outros burram. Quer onde outros cansam.
Espera de onde já não vem. Sonha entre realistas. Concretiza entre
sonhadores. Fala de leite em reunião de bêbados. Cria onde o hábito
rotiniza. Sofre onde os outros ganham.
Diferente é o que fica doendo onde a alegria impera. Aceita empregos que
ninguém supõe. Perde horas em coisas que só ele sabe importantes. Engorda
onde não deve. Diz sempre na hora de calar. Cala nas horas erradas. Não
desiste de lutar pela harmonia. Fala de amor no meio da guerra. Deixa o
adversário fazer o gol, porque gosta mais de jogar do que de ganhar. Ele
aprendeu a superar riso, deboche, escárnio, e consciência dolorosa de que a
média é má porque é igual.
Os diferentes aí estão: enfermos, paralíticos, machucados, engordados,
magros demais, inteligentes em excesso, bons demais para aquele cargo,
excepcionais, narigudos, barrigudos, joelhudos, de pé grande, de roupas
erradas, cheios de espinhas, de mumunha, de malícia ou de baba. Aí estão,
doendo e doendo, mas procurando ser, conseguindo ser, sendo muito mais.
A alma dos diferentes é feita de uma luz além. Sua estrela tem moradas
deslumbrantes que eles guardam para os pouco capazes de os sentir entender.
Nessas moradas estão tesouros da ternura humana. De que só os diferentes são
capazes.
Não mexa com o amor de um diferente. A menos que você seja
suficientemente forte para suporta-lo depois.”
20) NEM ENTENDER, NEM DESISTIR
Vendo tanta procura mesclada de certezas; tanta dor disfarçada
de alegria e tanta ilusão tomada como verdade, diariamente na vida, no mundo, vendo tudo isso defronto-me com uma antiga proposta do Zen-Budismo, tão antiga quanto profunda e inevitável. Ela diz, apenas, o seguinte: nem entender, nem desistir.
Essa parece ser a forma assumida pelo suplício da existência; mas, ao mesmo tempo, a melhor expressão de sua fascinante aventura. Querer entender não adianta: mas é mister empreender. E não adianta até porque, quanto mais entendimento, mais limiar de novas procuras, buscas e ignorâncias, logo de novos impasses, cansaços e desilusões. Masdesistir de conhecer, recolher-se ao batido repertório das idéias, opiniões e impressões que já se tem, cristalizadas, é permanecer nas trevas. Ou nas geleiras,congeladas.
Talvez quem esteja certa, efetivamente, é a antiga legenda gnóstica da serpente “ouruboro”. Ela seria uma infinita serpente universal que passa através de todas as coisas, ligando-as secretamente. Essa serpente representa, simbolicamente, a ligação invisível que há entre todas as coisas, entre o Uno e o Todo. Ouruboro é representada comendo o próprio rabo, alimentando-se dela mesma, matando-se enquanto se vivifica, numa simbolização da autofecundação. Ela seria a representação adequada para a lei do “eterno retorno”, expressão cunhada por Nietzsche para representar esse caráter cíclico da natureza e das coisas.
O grande conhecimento do Todo passaria pelo Uno e vice-versa; tudo e cada coisa teria uma enorme serpente invisível e autofecundante a ligar; tudo seria uma grande relação íntima de infinitos acasos e variedades.
De ser assim, como entender? Como entender o que está além dessa relação? Como entender o que está antes dela? Como entender o que lhe deu causa? E se à mente humana vedado foi entender, a faculdade de entendimento, num paradoxo, também foi dada aos homens, plantas e animais. Daí a inelutabilidade da condição humana: a de não desistir. Porque só a não desistência pode levar o homem a, num súbito clarão, obter a revelação. Revelação, portanto, seria a forma de entrar em relação com a essência, com a coisa em si, com o “númeno” e não com o fenômeno. Em suma: nem entender, nem desistir.
BIOGRAFIA/ BIBLIOGRAFIA
Nome : Paulo Alberto Artur da Tavola Moretzsonh Monteiro de Barros
Data de nascimento: 03 de janeiro de 1936
Naturalidade: Rio de Janeiro-RJ
Filiação: Paulo de Deus Moretzsohn Monteiro de Barros
Magdalena Koff Monteiro de Barros
Profissões: Advogado, Jornalista, Radialista, Escritor e Professor.
Direito – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – 1954-1959.
Especialista em Educação, formado pela CLAFEE (Centro Latino-americano de Formación de Especialistas en Educación). Convênio Unesco – Universidade do Chile – Santiago – 1965.
Professor da Escola de Jornalismo da Fundação Gama Filho – 1960.
Professor Chefe de Cátedra de “Periodismo Audiovisual” na Escola de Periodismo e Comunicação da Universidade do Chile – Santiago – 1966 a 1968.
Vice-Diretor da Escola de Periodismo da Universidade do Chile – Santiago – 1966 a 1968.
Professor da Escola Superior de Propaganda e Marketing do Rio de Janeiro – Cadeira: Produção de Rádio e Televisão – 1974 a 1975.
Presidente da Comissão de reforma da escola de Jornalismo da Universidade do Chile – Santiago – 1967 a 1968.
Membro da Câmara Técnica do Corredor Cultural da Cidade do Rio de Janeiro – 1979.
1º Vice-Presidente da ABI (Associação Brasileira de Imprensa) – 1980/1981.
Conferencista em mais de cem oportunidades, em vários Estados abordando os temas – Literatura – Comunicação – Política.
Membro da Comitiva Oficial do Presidente da República Fernando Henrique Cardoso, em visita oficial ao Chile em 1995, para posse do Presidente Ricardo Lagos.
Membro da Comitiva Oficial do Presidente da República Fernando Henrique Cardose, em visita oficial a Portugal em 1996.
Proferiu Aula Magna inaugural nas Universidades Federal Fluminense, Gama Filho, UNIRIO e SUAM – 1995. PUC Porto Alegre – 1999.
Membro da Comitiva Oficial do Presidente Fernando Henrique Cardoso, em visita oficial ao Chile – Março 2000.
Membro da Comitiva Oficial Brasileira que participou da 103ª Conferência Interparlamentar realizada em Aman (Jordânia) – maio de 2000.
Ordem do Rio Branco Grau de Oficial – Brasília, 20 de abril de 1994.
Ordem do Infante D. Henrique Grau de Gran Cruz – Lisboa, 20 de julho de 1995.
Ordem de Bernardo O’Higgins Grau de Gran Cruz – Santiago do Chile, 9 de março de 1995.
Ordem do Mérito Naval Grau de Grande Oficial – Brasília, 11 de junho de 1995.
Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro Colar do Mérito Judiciário
Rio de Janeiro, 8 de dezembro de 1995.
Ordem do Mérito Militar Grau de Comendador – Brasília, 19 de abril de 1996.
Político, escritor, intelectual. Arthur da Távola iniciou sua trajetória política como Presidente do Centro Acadêmico Eduardo Lustosa (CAEL) da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica – 1956/57.
Foi eleito Deputado Constituinte do Estado da Guanabara PTN, de 1960 a 1962, e Deputado à Assembléia Legislativa do Estado da Guanabara – 1962 a 1964. Teve seu mandato cassado por ocasião do AI-5, em 1964, exilando-se de 1964 a 1968 na Bolívia e no Chile.
Retornou ao Brasil em 1968, antes do Ato Institucional nº 5, para participar nas várias formas de luta de idéias e movimentos pacíficos destinados a recuperar o processo democrático no País.
Retornou ao poder legislativo eleito Deputado Constituinte pelo PMDB-RJ, sendo o mais votado da Bancada – 1987, sendo fundador do PSDB no ano seguinte. Alcançou algumas das posições de maior destaque no partido: Líder do PSDB na Assembléia Nacional Constituinte – 1988, Vice-Presidente Nacional, Líder da bancada do PSDB na Câmara dos Deputados em 1994 e, finalmente, Presidente Nacional do PSDB – 1995 a 1997.
Sua identificação com a cultura nacional foi determinante na atuação em diversos cargos como Presidente da Comissão de Assuntos Culturais, Educação, Ciência e Tecnologia do Parlamento Latino americano (1998/1999), Membro do Parlamento Cultural do Mercosul (1998/1999), Presidente da Comissão de Educação, Comunicação, Cultura e Esporte – 1997/1998 e Secretário das Culturas do Município do Rio de Janeiro – Janeiro de 2001.
Sob sua direção editou a revista trimestral de Comunicação, Arte e Educação, “CONTATO” que era distribuída graciosamente para as instituições culturais de todo o Brasil com artigos assinados pelos mais eminentes nomes de todas essas áreas. Lamentavelmente com a não reeleição do Senador em 2002 os seguimentos de cultura nacional perderam muito com a ausência deste brasileiro que sempre lutou para que o Brasil não fosse relegado a segundo ou terceiro plano diante das grandes potências mundiais em termos de letras, artes e educação.
Obras
C R Ô N I C A S
Mevitevendo 1977
Alguém Que Já Não Fui 1978
Cada Um No Meu Lugar 1980
Ser Jovem 1981
Amor A Sim Mesmo 1984
Arte de Ser 1994
Diário Doido Tempo 1996
Rio: Um olhar de amor 1997
C O N T O S
Leilão do Mim 1981
Do Amor, da Vida e da Morte 1983
Em Flagrante 2000
E N S A I O
Do Amor, Ensaio de Enigma 1983
C O M U N I C A Ç Ã O
A Liberdade do Ver (Televisão em Leitura Crítica) 1984
O Ator 1984
Comunicação é Mito 1985
Notícia, Hiper-Realismo e Ética – Opúsculo 1995
A Telenovela Brasileira 1996
P O E S I A
Calentura 1986
M Ú S I C A
Maurice Ravel, Um Feiticeiro Sem Deus – Livro 1988
Vozes do Rio – Opúsculo 1991
Orestes Barbosa – Opúsculo 1993
Centenário da Morte de Brahms – Opúsculo 1997
Cem Anos Sem Carlos Gomes – Opúsculo 1997
40 Anos de Bossa Nova 1998
Ataulfo Alves 90 anos – Opúsculo 1999
TITO MADI – “O Acento Árabe do Canto no Brasil” – Opúsculo 1999
Trinta Anos sem Jacob – Opúsculo 1999
Nara Leão, o Canto da Resistência – Opúsculo 1999
L I T E R A T U R A
Raul de Leôni – Opúsculo 1996
Monteiro Lobato: O imaginário – Opúsculo 1997
A Cruz e Sousa em seu Centenário – Opúsculo 1998
Liberdade de Ser 1999
Rui Barbosa, A Vitória das Derrotas – Opúsculo 1999
P O L Í T I C A
Sem Organização Partidária não há Democracia – Opúsculo
1996
CPIs “Para não acabar em pizza” – Opúsculo
1999
A T U A L I D A D E S
Olimpíadas de 2004 – Opúsculo
1996
Flamengo, 100 Anos de Paixão – Opúsculo
1996
O Viço da Leitura – Opúsculo
1997
Mulher – Opúsculo
1998
O Drama da Sexualidade Precoce – Opúsculo
1998