Alien: Romulus

O mito seguro como forma de sobrevivência da franquia

Ted Rafael Araujo Nogueira 

Retorno da franquia Alien chega junto num vigor calcado na nostalgia que permeia uma temporalidade pós-Alien, O Oitavo Passageiro (Alien, 1979), com um apontamento severo num retrofuturismo decidido como esfera imagética saudosista e apostando no constante, mas com competência. É um apanhado óbvio de elementos clássicos da saga programados decentemente. A saga Alien segue ainda sem refilmagens oficiais de suas obras e vai num caminho entre continuações e prequelas que visem ganhar em cima do que os filmes anteriores fizeram, assim como buscam expandir o material original aqui e ali, e com um espaço autoral para quem os propusesse (o caso do David Fincher é um desastre extradiegético na história de produção, mas ainda assim o tom autoral se faz presente). Assim fizeram Alien: Covenant (Alien: Covenant, 2017) e Prometheus (Prometheus, 2012) por exemplo, que buscaram uma expansão intrigante para além do comum [coisa que prefiro, na verdade, mesmo Alien: Covenant possa possui mais problemas em sua feitura, mas o acerto dele é maior por vários motivos, principalmente pelo risco que aposta] de sequências corriqueiras. Alien: Romulus (Alien: Romulus, 2024 )prossegue com um cuidado viciado em compor essa membrana nostálgica como algo presente, mas orgânico em sua formatação. Esperteza do diretor Fede Alvarez e do roteirista Rodo Sayagues (Alvarez escrevera o material junto dele), que jogam no verniz de passado desejoso com significado por sobre sua própria existência. E são opções que dialogam com interesses técnicos da contemporaneidade, como o uso graúdo de efeitos práticos que estão em uso e debate acerca da assepsia do uso errado de CGI que inunda diversos filmes a rodo. É um aproveitamento de recurso para propor uma imersão decente num universo já conhecido. Inclusive pelo sem número de correspondências apontadas de obras anteriores. E o troço bem arrumado nesse ponto que não faltam citações aos filmes que funcionam dentro da proposta sem uma necessidade expositiva por demais – por mais incrível que isso possa parecer. O que a punhetagem nerd explicita como fanservice, aqui tem de sobra e sem avacalhar o projeto, iclusive em partes visuais e elementos diversos do jogo Alien: Isolation (2014 – SEGA). Como exemplo temos até a pachorra invocada de referenciar (mesmo que tortamente) até Alien: Ressurreição (Alien: Resurrection, 1997) em um dos acontecimentos mais polêmicos deste último. Não corre tantos riscos, e quando se propõe a não assumi-los o faz conseguindo ser funcional.

O que cerca Alien: Romulus como um mosaico social e político, presta contas com temas nevrálgicos da saga como a colonização espacial e o aspecto de crítica por sobre grandes corporações, como no caso aqui a Weyland-Yutani que sempre está presente nas obras. Mas agora há uma esperteza na atualização dessa crítica exatamente pela revitalização dos braços de interesses da companhia com o alienígena, além de fornecer uma rápida – e decente – conjuntura da atuação escrota da empresa como colonizadora. O alcunhado processo nostálgico da fita vem carregado de significados retrofuturistas que abraçam o aspecto sujo e envelhecido de uma visão de futuro oitentista que desembocaria com força no cyberpunk, e como tal seu vulto traz a reboque um aporte questionador. O processo de colonial é falho, exploratório e escroto nos mais diversos níveis, que trata a população como massa amorfa a serviço da iniciativa privada, que, como tal, a primeira exerce controle completo sobre trabalhadores sem oferecer um suporte necessário para sua sobrevivência. Inclusive indica que a fragilidade física dos humanos é o ponto do porquê que a colonização ultraespacial mostra-se tão problemática. Nisto reside a justificativa para a existência de Alien: Romulus. Já que o operariado é descartável desde sempre na saga a partir do primeiro filme e passando, por exemplo, por fuzileiros massacrados em Aliens O Resgate (Aliens, 1986) e prisioneiros esquecidos em Alien 3 (Alien³, 1992), agora o argumento empresarial é que os corpos humanos são débeis demais para o dispêndio do ofício colonizatório. Portanto, a busca por um aprimoramento em resistência humana dever-se-ia ser levado a cabo para a construção se um ser trabalhador mais forte. A partir de um líquido encontrado com os xenomorfos, e gerenciado num oficioso de laboratório. Um óbvio aceno a Prometheus – inclusive pela merda que isso pode acarretar. O filme galga estes elementos pra conseguir encontrar um caminho que encaixe numa premissa de terror espacial óbvia. A junção do todo parece incomodar pela sucessão de coincidências, mas que soam até coerentes diante da apresentação inicialmente tomada. Principalmente pelo tom distópico explorador que sirva como motivo tácito para a empreitada arriscada dos personagens ao desconhecido de uma nave da mesma empresa. É a tentativa de buscar subsistência roubando – merecidamente – o patrão sacana. Daqui em diante temos uma espiral mais frontal tanto de menções deveras a filmes anteriores, mesmo o próprio se passando entre o primeiro e o segundo na linha temporal, se executa através de um direcionamento a esse referendar.

Não fosse a habilidade das escolhas de Alvarez ao saber lidar com o roteiro de forma a criar uma atmosfera que o abarcasse, talvez fosse um filme mais ordinário. Ele se sai bem exatamente por estas predileções, com enfoque técnico certeiro no que tange à construção de um ambiente claustrofóbico que – sim – replica o primeiro Alien, e nem se preocupa com o excesso de campo seguro que ele absorve. A preocupação é a experiência catártica ao abusar mais uma vez um monstro sensacional do cinema. Inclusive a criatura é tratada no tamanho certo de mitificação que ela merece, seja nas ultracitadas referências, seja nas preferências de direção transplantadas (os planos ao mostrar Alien em suas fases mais conhecidas, com uso de uma trilha sonora em junção com a imagem que deem conta do caráter épico dessa mitificação). Consegue funcionar tanto por ser uma homenagem, quanto pelos próprios caminhares horroríficos. Um feito interessante ainda mais por sobre uma saga já tão conhecida, mencionada e aproveitada. Esse caldo de opções, cópias e sinais diversos acaba por se manobrar sem grandes contribuições históricas, mas também, sem prejuízos.

Esta nova empreitada do alienígena baboso ainda exerce vulto por suas escolhas de manutenção de atmosfera tensionada ao pavor tácito das bestas, que astutas como são, sempre se esgueiram sedentas para estraçalhamentos diversos. Nisso tenho a intenção de escrever brevemente por sobre uma cena já comentada à boca miúda: mortandade dos aliens na baixa gravidade. O desejo é criar um clima de espectro de impossibilidade na fuga e que tenha ainda algum frescor. Então há já um direcionamento de câmera e som apontados adiante que visam um preparo – algo bem engendrado em vários momentos. A câmera percorre em perseguição aos personagens mostrando o contraplano da ameaça dos monstros e o som, de ensurdecedoramente alto vai amainando seu oficioso. E nisso vem a ideia: meter bala nos aliens enquanto a nave estiver em gravidade baixa, assim o sangue ácido dos ignominiosos não vai corroer as instalações — pelo menos por enquanto. Nisso a câmera ganha ares de partícipe da falta de gravidade, buscando flutuar com os personagens (algo já citado anteriormente nele mesmo e aqui fazendo uma rima a esta citação) enquanto estes se viram para desviar das grandes quantidades de ácido que permeiam o ar. Uma decisão estúpida e insana, que faz sentido num curtíssimo prazo, e sagaz devido a este trabalho de câmera e montagem (que tiram proveito do ótimo design de produção que mantém um clima obscurecido e misterioso), além do som, que silencia e fica na espreita e existe somente nos tirambaços em início e fim sequencial. É um exemplo interno do filme com o cuidado ao lidar com a citada ameaça e com uma tentativa de proposição à novidade, não que seja a termos de expansão do universo e os caralhos, mas de jeito a aloprar novas opções visuais às cenas. Não há o tesão invencionista, mas um aporte ao sustentáculo mítico do significado alien para o terror/horror/sci-fi. A violência do material inclusive tem um certo capricho, sem os arroubos de Ridley Scott (que aqui tem a função de produtor), mas com consciência do que lhe cabe propor (mesmo que eu tenha esperado mais nesse quesito). Mas o amedrontamento que o alienígena (nas suas variadas fases biológicas) causa, se mantém intacto, que se soma à mitificação estabelecida e reverenciada. A concatenação desta violência e ameaça passa pelo aspecto prático de seus personagens, que não comprometem e não são de todo completos estúpidos, e ainda possuem um mínimo de justificativas anteriores para executarem suas ações.

Não vou pormenorizar o texto no apontamento das variadas atuações e no que me agradam, ou desagradam, mas o destaque vai para David Jonsson e seu androide Andy. O ator aqui faz um trabalho que prima por expressões que tangenciam entre a surpresa fria ao condicionamento moral de suas funções até chegar num vácuo moral que proporciona uma preocupação com sua empresa de origem e não à figura na qual ele tem a função de proteger. O detalhamento dessas expressões é salutar e enriquece o intrigante personagem que passa a ser uma criatura dividida entre suas funções e a demonstração de empatia, subserviência e ameaça acabam por entrar num campo membranoso que carrega a narrativa adiante. Novamente numa reconfiguração de personagens anteriores, mas com uma atualização gaiata. É um filme gaiato.

Diante de todas as presunções citadas Alien: Romulus mantém-se espertamente no caminho seguro via homenagem, que é algo já corriqueiro no mainstream hollywoodiano com suas incontáveis sequências, refilmagens, retcons e a porra toda. Mas ao imprimir um caráter de tesão próprio na encenação e nos acertos das colocações referenciais acaba por se destacar. Seu caráter táctil no que diz respeito à sua introspecção instrumental visual é de graúdo vulto. Se consegue sentir a sujeira daquele universo sem soar quaisquer falsidades e/ou fugas visuais que atrapalhem a brincadeira. E apontar um novo caminho por sobre mais uma marmota exploratória de empresa Weyland-Yutani é uma sagacidade maneira, que serve como apontamento crítico não só do zeitgeist que circundava os anos 80 a respeito do neoliberalismo latente, mas como citação de uma operacionalização do sistema capitalista em se dispor a estraçalhar quem quer que seja em prol de objetivos altamente próprios num futuro próximo. Algo que obviamente vai incluir um operariado extensivamente oprimido a servir como cobaia mediante a preocupação em se fechar um balanço trimestral de lucro. Algo irônico proveniente de uma produção de oitenta milhões de dólares, que é praticamente um peido diante do tamanho e valor da multinacional que a financia.  

FONTE : https://www.cineplayers.com/criticas/alien-romulus

 

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