Línguas de fogo: ensaio sobre Clarice Lispector. Claire Varin.
Um estudo profundo e apaixonado sobre a vida e obra de Clarice Lispector. Como muitos brasileiros, Claire se apaixonou pela obra da escritora brasileira; aprendeu português para poder ler os textos de Clarice na língua original e esteve no Brasil diversas vezes apreendendo esse estranho país dos trópicos.
O livro, resultado de uma tese nada academicista de doutorado para a Universidade de Montreal, analisa a obra de Clarice Lispector em sintonia com sua vida, sua formação em uma família judia e como esposa de embaixador.
Um livro indispensável para quem já conhece a obra de Clarice ou para aqueles que desejam se aventurar pelo mundo particular da maior escritora brasileira. Um livro para os apaixonados pela boa literatura.
Depoimentos
A autora, canadense, é, apesar da distância, uma das mais sensíveis leitoras de Clarice Lispector. Ela faz o que chama de « leitura telepática », misturando-se com Clarice. E desse modo escreveu um livro imperdível José Castello, escritor e crítico literário, Veja, 25/06/ 2003
A identificação entre Clarice e Claire se fez íntima, perfeita. O sútil registro da sensibilidade de Clarice, nervo exposto ao mundo, não escapa à sensitiva antena de Claire. […]
Como Clarice, Claire tem o dom das línguas. […] Iluminada, Claire confraternizou-se com Clarice e tocou o cerne de sua originalidade. […] Uma e outra, nas suas línguas de fogo, pregam a busca da verdade. […] Se tudo é mágico, é preciso ver por fora e por dentro. Ver o de fora no permanente transe de quem não renuncia ao que não é aparente, ao invisível. Os textos de Clarice estão carregados dessa energia que é o sinal de sua peculiaridade. A força de sua originalidade, que Claire captou e, como Clarice, dela faz uma doação. Otto Lara Resende, prefácio de Línguas de Fogo
Dir-se-ia que Claire Varin conviveu com Clarice e dela ouviu confidências e revelações, pois a segurança com que se move nos labirintos tem alguma coisa de íntimo. Embora encaminhe a conclusões que poderão provocar réplica e polêmica, a tese de Claire Varin é desde já ponto-de-referência obrigatório em todo estudo sério sobre nossa romancista. E muitos desses trabalhos futuros deverão partir de suas páginas. José Geraldo Nogueira Moutinho, escritor Jornal de Letras, Rio de Janeiro, 01/04/1987.
Autora
Claire Varin é canadense, doutora em Letras pela Universidade de Montreal. Línguas de Fogo é sua tese sobre Clarice Lispector, publicada primeiramente em francês e, posteriormente, traduzida para o português para esta edição da Limar.
Em 2002 Claire foi contemplada com o prêmio da Sociedade dos Escritores Canadenses e pelo Conselho de Artes e Letras de Quebec, pelo seu trabalho como escritora e estudiosa de literatura.
ARTIGO
Livro esmiúça relação de Clarice Lispector com o esoterismo e o ocultismo
Livro ‘Línguas de fogo’, da canadense Claire Varin, foi pioneiro nos anos 1980 ao explorar aspectos até então menosprezados pelos estudiosos da autora, que chegou a participar de um congresso de bruxaria
Por Bolívar Torres
Lançado em meados nos anos 1980, “Línguas de fogo”, da pesquisadora canadense Claire Varin, provocou certo estranhamento. É que a autora foi a primeira a investigar um lado de Clarice Lispector até então ignorado pela academia: a sua relação com o esoterismo e o ocultismo. “O que eu posso fazer?”, respondia uma conformada Varin. “Está lá na Clarice. Não fui eu que inventei”.
E, de fato, a canadense não apenas revirou a obra de Clarice para provar o seu argumento, como também viajou ao Brasil, entrevistou familiares e amigos, descobrindo novas perspectivas sobre o lugar do judaísmo, do iídiche e da superstição na vida da escritora. Décadas depois, “Línguas de fogo” acaba de ganhar uma nova edição no Brasil, e Varin jura que muitos estudiosos continuam virando a cara para o seu livro.
— Hoje esse lado dela está mais assimilado e não é mais um campo virgem como antes, mas a academia ainda considera meu livro muito pessoal e pouco acadêmico — diz a canadense, em um português perfeito. — Acho difícil representar ao conjunto da obra dela de forma cerebral, racional.
Em uma “leitura telepática”, Varin recupera curiosidades como as idas de Clarice às cartomantes (para as quais só pedia previsões boas), sua participação em um congresso de bruxaria em Bogotá, suas consultas ao livro do I Ching, e a obsessão um tanto cabalística por alguns números (“Dá sete espaços para teu parágrafo, sete. Depois, tenta não passar da página 13”, dizia às suas datilógrafas). Mas essas são apenas anedotas pontuais de um ensaio muito mais amplo, que reflete sobre uma escritora aberta para o mistério e que “usa as palavras como se efetuasse um ritual mágico”.
A originalidade do ensaio de Varin é identificar a importância dos traumas familiares, como a fuga para o Brasil e a “infância com-sem mãe”, na busca constante da autora por um reencantamento da linguagem. Clarice, que se culpava por não ter livrado a mãe da doença ao nascer, inventa um termo possivelmente inspirado no iídiche: “Lalande”. Trata-se, de acordo com Varin, da “terra-mãe desconhecida, sentida e reconhecida, uma ligação sensual com a mãe Lalande autorizada na língua”.
— Depois de perguntar com muita insistência para os familiares, descobri que o iídiche era falado em casa — conta Varin. — Clarice podia não falar a língua da mãe, mas a ouvia. Ela escondeu seu lado judeu por medo, porque assimilou a perseguição que sua família enfrentou e que ficou nela como uma marca.
Quarenta e dois anos após a sua morte, o lado místico de Clarice ainda é lembrado por sua famíla, inclusive pelos herdeiros que não a conheceram. Nascida em 1987, Mariana Valente sempre esperou reencontrar a sua vó em um novo corpo. Antes de morrer, a escritora avisou aos filhos que iria voltar como uma esperança. O inseto, não o sentimento — ou talvez também o sentimento, vá saber.
O fato é que, em alguns importantes momentos da vida de Mariana e de seus familiares, o mencionado animal verde apareceu. As ocasiões eram as mais improváveis, conta ela. Na porta do quarto do hospital durante uma briga de Mariana com sua mãe. No vidro do carro em um momento sensível na estrada, fazendo toda família estacionar e se abraçar.
Mariana cresceu contagiada pelos mistérios de Clarice, incluindo esta forma de ver o mundo em sua própria criação artística. Para ilustrar “Sentir um pensamento: frases e reflexões para as 52 semanas do ano” (Rocco), uma coletânea com alguns dos insights mais marcantes de Clarice, a designer usou tudo que aprendeu com a avó. Ela usa principalmente colagens, que refletem o fluxo de consciência da autora.
— Algumas de suas frases são tão potentes e reveladoras que não precisam de um contexto, elas contém um livro inteiro — diz a neta da autora. — Um ensinamento que ficou em mim é a sua habilidade de ressignificar as palavras. É isso que procuro com as colagens: ressignificar uma imagem tirando-a de seu contexto original.
(FONTE: https://oglobo.globo.com/cultura/noticia/2023/12/10/livro-esmiuca-relacao-de-clarice-lispector-com-o-esoterismo-e-o-ocultismo.ghtml