TESTAMENTO VIDUAL: O DIREITO DE MORRER COM DIGNIDADE

TESTAMENTO VIDUAL: O DIREITO DE MORRER COM DIGNIDADE

Por Gabriella Santos de Paiva

RESUMO: Este artigo analisa a possibilidade de garantir no ordenamento jurídico brasileiro o direito a uma morte digna como consequência da existência da pessoa humana. Os conceitos de vida e morte devem ser revisados, acompanhando a evolução do tratamento aos doentes terminais e a relação altamente conflituosa médico-paciente. A compreensão de conceitos como distanásia e ortotanásia, o direito inerente de viver com dignidade, autonomia da vontade do paciente, quando ainda haja consciência e capacidade civil. O testamento vidual é um documento escrito e dotado de fé pública garantindo que se cumpra o desejo do paciente terminal.

Palavras-chave: Morte digna. Distanásia. Ortotanásia. Vontade do paciente. Testamento vidual.

1 INTRODUÇÃO

                   Este estudo trata sobre o direito a uma morte digna. Aborda sobre a possibilidade do indivíduo poder exercer esse direito. Questiona se o indivíduo consciente pode dispor antecipadamente, através de um testamento vidual, podendo se recusar a tratamentos terapêuticos futuros, caso venha em consequência de sua doença em fase terminal ficar impossibilitado de manifestar sua vontade.

                   Aborda-se o direito à vida e o direito de se dispor sobre a vida, ou seja, o direito à morte. Sobre o direito de se dispor da vida foram apontadas a ortotanásia e a distanásia.

                   O direito à morte digna pode ser alcançado desde que seja respeitada a vontade do paciente.

                   O testamento vidual consiste num documento, em que o indivíduo juridicamente capaz declara quais tipos de tratamentos médicos aceita ou rejeita, o que deve ser obedecido nos casos futuros em que se encontre em situação que o impossibilite de manifestar sua vontade. Ao contrário dos testamentos em geral, que são atos jurídicos destinados à produção de efeitos post mortem, os testamentos viduais são destinados a garantir a eficácia jurídica antes da morte do interessado.

                   Para ser capaz o indivíduo deve ser maior de 18 anos e capaz para os atos da vida civil, ou seja, não se enquadrar nos casos dos artigos 3º e 4º do Código Civil, que são os casos de incapacidade. Caso o indivíduo seja incapaz, caberá à família decidir pela manutenção ou não dos tratamentos direcionados ao paciente terminal.

                   Caso não haja quem possa decidir pelo paciente incapaz, é dever do médico realizar as condições necessárias para a manutenção da vida digna do paciente.

                   O testamento vidual é um documento com o objetivo de dispor sobre os tratamentos e não tratamentos a que o indivíduo deseje ser submetido quando estiver diante de um diagnóstico de doença terminal e impossibilitado de manifestar sua vontade, é importante que se faça a vontade do paciente, para que, assim, tenha uma morte digna e a possibilidade de haver interrupção de tratamentos que apenas prolonguem sua vida que já se encontra em estágio irreversível.

                   Recomenda-se a nomeação dos chamados “procuradores de vida”, pessoas de confiança que, se for preciso, tomarão as decisões mais próximas aos desejos do paciente. Ainda há recomendação que sejam em número ímpar, para que, em caso de dúvida sobre uma conduta a ser adotada, a maioria decida, tendo como base a vontade do paciente.

                  O testamento vidual não é definitivo, também por analogia ao art. 1.858 do Código Civil, que determina que “o testamento é ato personalíssimo, podendo ser mudado a qualquer tempo”. É possível mudá-lo a qualquer momento, e a nova decisão deve sempre ser comunicada ao médico.

                  Um parente não pode se recusar a seguir as orientações descritas no testamento vidual. O familiar só tem poder de decisão caso tenha sido designado pelo próprio paciente como seu representante.

2 MORTE DIGNA

                 Falar em morte nos dias atuais aterroriza a todos, como se esperassem que a vida fosse eterna, sob o ponto de vista biológico. É preciso aceitar que a morte deve ser enfrentada com sabedoria e dignidade e não como um inimigo que precisa ser combatido.

                  Que é a morte? Como e quando se há de morrer? São alguns questionamentos que a Bioética tenta ajudar a conhecer, a estudar, mas não há respostas muito esclarecedoras. Quem há de decidir? O paciente terminal? A família? O médico? O Estado?

                Pacientes em fase terminal, sem chance de cura, se agonizam nos leitos dos hospitais e sofrem demasiadamente, pois só sobrevivem ligadas a aparelhos, que prolongam a morte, sem levar em consideração sua dignidade. A imposição de determinado tratamento pode lhe parecer muito mais indigno e desumano do que a própria morte.

                O conceito de dignidade é ponto principal na discussão sobre o direito à vida digna, ou seja, também, à morte digna, já que a morte é uma etapa da vida.

“Não é uma questão de morrer cedo ou tarde, mas de morrer bem ou mal. Morrer bem significa escapar vivo do risco de morrer doente.” (Seneca, 4 a.C.)

                Segundo Ronald Dworkin:

“A morte domina porque não é apenas o começo do nada, mas o fim de tudo, e o modo como pensamos e falamos sobre a morte – a ênfase que colocamos no “morrer com dignidade” – mostra como é importante que a vida termine apropriadamente, que a morte seja um reflexo do modo como desejamos ter vivido.”

                Deve se considerar que os momentos finais da vida incluem o processo do morrer, onde deve ser assegurada a vontade do paciente que busca ter um término de vida digno, o direito de morrer dignamente.

                Ronald Dworkin afirma que levar alguém a morrer de uma maneira que outros aprovam, mas que para ele representa uma terrível contradição de sua própria vida, é uma devastadora e odiosa forma de tirania.

2.1 Ortotanásia

               Paciente terminal é todo aquele cuja doença é irreversível, ou seja, com ou sem tratamento o paciente chegará ao óbito. A prática da eutanásia, em que se pratica atos para abreviar a vida, é vedada no Brasil. Ou seja, quando se fala sobre interrupção ou suspensão de tratamento, está falando da prática de ortotanásia, reconhecida como lícita pelo Conselho Federal de Medicina.

               A ortotanásia deriva do grego orthós (normal, certo) e thánatos (morte). Significando “morte natural ou correta”, sem abreviações do período de vida (eutanásia) nem prolongamentos do processo de morte (distanásia).

               Nos casos de pacientes em fases terminais e incuráveis, é permitido ao médico limitar ou suspender tratamentos que prolonguem a vida, garantindo-lhes os cuidados necessários para aliviar o sofrimento, na perspectiva de uma assistência integral, respeitando a vontade do paciente ou de seu representante legal.

               E este direito é realizado pela prática da ortotanásia, não submetendo o paciente terminal a tratamentos desumanos e degradantes, que visam somente a prolongar a sua morte, sem chance alguma de cura, desde que respeitada a sua vontade.

               Morrer dignamente nada mais é do que uma decorrência do princípio da dignidade da pessoa humana.

2.1.1 Distanásia

             Segundo Maria Helena Diniz:

“Pela distanásia, também designada obstinação terapêutica ou futilidade médica, tudo deve ser feito mesmo que cause sofrimento atroz ao paciente. Isso porque a distanásia é morte lenta e com muito sofrimento. Trata-se do prolongamento exagerado da morte de um paciente terminal ou tratamento inútil. Não visa prolongar a vida, mas sim o processo de morte.”

            Considera-se tratamento fútil não aquele que é capaz de trazer a cura ao paciente, mas sim de prorrogar a vida e, consequentemente, o processo de morte, principalmente nos casos de pacientes terminais.

            O que acontece são tratamentos desumanos e degradantes, de acordo com o artigo 5º, inciso III da constituição, os quais violam a dignidade da pessoa humana.

            A distanásia erra por não discernir quando as intervenções terapêuticas são inúteis e quando se deve deixar a pessoa descansar em paz, como desfecho natural de sua vida. Alguns procedimentos médicos que deveriam curar ou buscar o bem-estar do paciente em estado terminal, ao contrário, atrasam o processo de morte, tornando-o mais longo e doloroso. Além disso, o Código Civil Brasileiro em seu art. 15 autoriza o paciente a não se submeter a determinados procedimentos médicos e terapêuticos, a qual dispõe que “ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou intervenção cirúrgica”, em razão também do princípio da liberdade ao próprio corpo.

          A sociedade deve reconhecer que a vida é finita e que o normal é um dia morrer.

“O morrer pode ser doloroso, longo, humilhante. Especialmente quando os médicos não permitem que o corpo que deseja morrer, morra.” (Rubem Alves).

CONCLUSÃO

          A melhor maneira de facilitar o direito de morrer com dignidade seria através do testamento vidual, onde o indivíduo teria um instrumento dotado de fé pública, capaz de defender sua vontade quanto ao tratamento a ele empregado, caso ele estivesse impossibilitado de se expressar futuramente.

          Países como Estados Unidos, Espanha, Portugal, Argentina e Uruguai já possuem legislação específica sobre o tema. No Brasil, foi editada recentemente uma resolução sobre o testamento vidual pelo Conselho Federal de Medicina, mas até o momento, não existe lei sobre o tema. Contudo, isso não significa que o testamento vidual não seja válido.

           O Conselho Federal de Medicina aprovou no dia 30.08.2012 a resolução n. 1995/12 que permite ao paciente registrar seu testamento vidual na ficha médica ou no prontuário. Esta resolução representa um grande avanço no Brasil, pois garante a vontade do paciente. Contudo, é necessária a edição de uma lei específica para esclarecer o procedimento de registro em cartório, a capacidade do indivíduo, a existência ou não de prazo de validade e, principalmente, a criação de um Registro Nacional de Testamento Vidual.

          O Testamento Vidual precisa necessariamente ser discutido e implantado no Brasil como forma de garantir a autonomia do paciente que se encontre incapaz de manifestar sua vontade, quando em fase terminal da vida. Dando-lhe a possibilidade de uma existência digna em todo o seu viver. O direito a vida não compreende um dever de viver, mas sim um direito de viver com dignidade.

Referências Bibliográficas:

http://www.testamentovital.com.br/ (acessado em 19/04/2013)

http://veja.abril.com.br/noticia/saude/testamento-vital-o-respeito-ao-desejo-do-paciente (acessado em 19/04/2013)

http://jus.com.br/revista/texto/15066/testamento-vital-e-o-ordenamento-brasileiro (acessado em 19/04/2013)

http://www.ngrevista.com.br/portal/angela-raymundi/2884-o-que-e-testamento-vital-edicao-de-setembro-de-2012 (acessado em 21/04/2013)

http://www.jurisite.com.br/doutrinas/Constitucional/doutconst117.html (acessado em 21/04/2013)

MOURA ERBOLATO MELO, Beatrice de. Testamento de Vida. Monografia, 2009.

DWORKIN, Ronald. O Domínio da Vida: aborto, eutanásia e liberdades individuais.

DINIZ, Maria Helena. O estado atual do Biodireito

Gabriella Santos de Paiva

Estudante de Direito da Toledo Prudente Centro Universitário.

( Fonte: www.artigos.com)

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